Deixando para trás a quase ausência de medidas preventivas para esta 2.ª vaga para a qual tantos alertaram, a atual estratégia portuguesa de combate à pandemia continua a não apresentar qualquer rasgo de criatividade e resume-se a limitar contactos entre as pessoas, desacelerando a economia na mesma proporção, e não ambicionando mais do que colocar-nos num planalto miserável de mortes até à chegada da vacina.

Há que reconhecer que o Governo conseguiu travar a escalada de novos contágios e assim manter o número de doentes abaixo do limite hospitalar, não obstante os inevitáveis atrasos nas consultas e cirurgias programadas. Contudo, o objetivo foi atingido à custa de confinamentos abrangentes, afetando sobretudo a restauração, mas também o comércio. Essencialmente, a estratégia consistiu na mitigação de contactos durante a semana à noite e, mais recentemente, ao fim de semana e feriados durante a maior parte do dia.

Traçando um paralelo, estas medidas assemelham-se a reduzir a sinistralidade rodoviária à custa da diminuição do número de veículos na estrada em vez de promover a redução da velocidade ou de tornar o uso de cinto de segurança e capacete obrigatórios. Funciona, mas é pouco eficaz e, sobretudo, pouco eficiente. Acresce que esta estratégia tem um limite inferior e infelizmente já o estamos a avistar – é um planalto de 3 a 4 mil infecções por dia, representando cerca de 60 mortes diárias daqui a três semanas.

Espanta-me que nas conferências de imprensa não se questione o Primeiro-Ministro sobre estratégias alternativas que o Governo pudesse ter considerado, como a execução de testes em massa em zonas de grande prevalência para detectar casos muito mais rapidamente, conseguindo-se, assim, reduzi-los para níveis passíveis de serem rastreados. Esta seria a única forma de nos aproximarmos dos países competentes na gestão da pandemia, como a Coreia do Sul ou o Uruguai. Mas a sensação que fica, é que a sociedade está conformada com a situação em que vivemos, depositando toda a fé nas vacinas, esquecendo-se, porventura, que os próximos meses, durante os quais a vacina não produzirá ainda efeitos, continuaremos a presenciar uma avalanche de mortes e um calvário económico.

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Dando como adquirido que a nossa estratégia não passará por reduzir a prevalência de uma forma drástica, seja através de um confinamento geral, como ocorreu na Bélgica, ou com o auxílio de testes em massa, como na Eslováquia ou na Áustria, a alternativa viável que temos para minimizar danos é só uma: compreender onde as infeções têm lugar e aplicar medidas cirúrgicas alicerçadas numa boa comunicação.

Infelizmente, como percebemos pela última reunião do Infarmed, há um absoluto desconhecimento das origens das infeções. O link epidemiológico só é conhecido em 13% dos casos e, mesmo dentro destes, 75% são referidos como “outros”. A cegueira é total.

Existe, contudo, informação documentada e disponível de outros países. Ela deve ser usada.

A revista “Nature” publicou um dos estudos mais credíveis sobre a origem das infeções com base na utilização de telemóveis nos Estados Unidos, particularmente em Chicago. O estudo foi feito em Abril, numa altura em que o uso das máscaras não era ainda tão generalizado como hoje e foca essencialmente nas atividades comerciais, serviços e restauração. Conclui-se, que quase dois terços (!) das infeções se dão em cafés, snack-bars e restaurantes, ficando os restantes contágios dispersos por um sem número de outros estabelecimentos. Com a disseminação do uso de máscaras de hoje, será de esperar uma diferença ainda maior entre a restauração – onde a utilização de máscaras é claramente deficiente – e as restantes atividades.

Extrapolando um pouco, facilmente chegaremos ainda à conclusão, como já alertado pela Prof. Mariana Sottomayor – umas das vozes mais lúcidas nesta pandemia – que, se juntarmos as restantes atividades com forte contribuição para os contágios (reuniões familiares e sociais, escolas, indústria e sector empresarial em geral), uma enorme parte das infeções ocorrerá também à mesa. De facto, é sobretudo durante as refeições que amigos, familiares, estudantes e colegas de trabalho tiram as máscaras e desatam a falar uns com os outros como se estivessem imunes ao vírus por se encontrarem sentados. Nas restantes situações, o uso de máscara é bastante mais eficaz e permanentemente obrigatório.

Isto é quase factual: as conversas à mesa representarão hoje uma enorme – certamente a maior – parte de todas as infeções por Covid-19.

E é tão evidente quanto absurdo.

É absurdo continuarmos a presenciar um “Pedrogão Grande” de mortes diárias sem que haja pelo menos um reconhecimento claro deste fenómeno. E não é por não termos dados suficientes! É muito fácil chegar a esta conclusão com base no bom senso alicerçado em estudos já existentes.

É nesta altura que recebo a crítica do costume: “Mas as pessoas já sabem disso! E já sabem o que fazer!”

Lamento, mas não sabem! Não têm ideia da magnitude do problema! Se realmente o tivessem interiorizado, não víamos 90% dos grupos sentados à conversa nas pastelarias e restaurantes sem máscara. E não víamos o Primeiro-Ministro, ainda neste passado fim de semana (sem máscara, para não dar o exemplo), dizer que devem ser as famílias a decidir se usam ou não máscara na noite de Natal.

É claro que devem ser as famílias a decidir! Mas as pessoas têm que entender, de uma vez por todas, que nesta fase da pandemia, projetar a voz para cima do próximo sem máscara pode matá-lo!

Consequentemente, é incompreensível que António Costa não recomende fortemente o uso de máscara durante todo o Natal, exceto no estrito momento de comer, alertando ainda as pessoas para o perigo de falarem nessa altura. Pode parecer ridículo, mas só com instruções explícitas é que as pessoas perceberão o que devem ou não fazer. E, diga-se, os portugueses têm cumprido escrupulosamente as regras. O problema é que o cumprimento das regras permite que a grande maioria das infeções continue a ocorrer!

Há muito que a DGS deveria ter criado recomendações muito mais precisas para os restaurantes, dando assim mais segurança aos seus clientes para os frequentarem. Na associação cívica INFO Covid-19 procuramos ajudar com cartazes de sensibilização que a DGS não providencia.

Os restaurantes e bares deveriam ainda ser muito mais apoiados para compensar as incontornáveis perdas.

Finalmente, há muito que o Governo deveria ter concluído que a generalidade do comércio representa um risco muito reduzido, sendo incompreensível continuar a ser privado de clientes, seja por medidas restritivas, seja por incompreensão desses mesmos riscos por parte dos clientes.

Está na altura de sermos um pouco mais inteligentes no combate à pandemia. Reconheça-se o problema e passe-se a mensagem correta!

A saúde e a economia agradecem.

Agradecimentos ao Carlos Macedo e Cunha e ao Think Tank informal “INFO | Covid-19” pelos seus contributos.