Conforme se esperava, o Relatório da CPI TAP não trouxe novidades. Traz recomendações ao Governo e às empresas públicas, algumas das quais não alinhadas com o conteúdo do Relatório. Abriu-se agora um período em que os partidos podem apresentar propostas de alteração. Tudo indica que será aprovado na CPI, exclusivamente com os votos favoráveis do PS.

Se fizéssemos uma análise custo-benefício ao funcionamento da CPI obviamente que chegaríamos a um VAL negativo. Na parcela dos custos deveríamos incluir, entre outros, as 3271,3 horas da remuneração dos deputados na CPI (número de reuniões a multiplicar por tempo médio e pelo número de deputados), referentes às expectáveis 39 reuniões ordinárias (fora as reuniões de mesa e de mesa e coordenadores), o custo dos seus assessores e dos serviços da AR de apoio à CPI, o custo de oportunidade do tempo de todas as personalidades ouvidas em comissão, o custo da preparação destas audições (dos próprios, dos advogados, etc.). Do lado dos benefícios incluímos sobretudo dois: o da fiscalização política do governo pela AR, nomeadamente a clarificação das ineficiências do seu modus operandi, e um melhor conhecimento do exercício da tutela política das empresas públicas. Visto que os custos já estão “afundados” conviria, se possível, maximizar os benefícios.

É importante recordar que o problema da tutela política das empresas públicas (EP), e das nomeações para as suas administrações é crucial para Portugal, não apenas do ponto de vista financeiro, mas do serviço público que devem prestar. A alta carga fiscal que hoje temos, que se associa a uma elevada dívida pública e a um fraco crescimento económico deriva, numa parte não despicienda, de um laxismo de décadas quer nas nomeações feitas de boys sem competência para os cargos (ainda se lembram do desconhecimento dos contratos SWOP?) quer na ausência de tutela política dessas empresas.

Neste sentido esta comissão de inquérito tinha um elevado potencial de ensinamentos sobre a forma como o Estado tutela as empresas públicas. Pedro Nuno Santos começou bem, pois escolheu a CEO da TAP não por ser uma girl do PS e deu-lhe autonomia de gestão. Os casos de tentativa de condicionamento de decisões da TAP que surgiram na CPI foram a meu ver episódios de menor importância. Nalguns casos, quando existiram, considero que ainda bem, como é o caso o caso da renovação da frota automóvel da administração da TAP, quando os portugueses passavam por dificuldades. O mesmo não pode ser dito da tentativa de mudar um voo para agradar a Marcelo. Trata-se, contudo, no contexto dos milhares de decisões de uma grande empresa como a TAP, de decisões menores.

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Aprendemos e reaprendemos algo com esta CPI. O papel central dos advogados e suas sociedades e de como eles estão protegidos por regras de sigilo das CPI, mesmo quando esta recorre ao Supremo Tribunal de Justiça para obter documentos. Que no que toca à negociação da indemnização a Alexandra Reis (AR), a TAP defendeu melhor o erário público que a administradora.

De facto A.R. pedia uma indemnização total de 1.479 milhões de euros e acabou acordando receber 500 mil mais uns fringe benefits (seguro de saúde por dois anos, benefícios em viagens durante 5 anos, etc.). De realçar que César, o advogado de Christine, depois da proposta inicial de A.R., apresentou à CEO da TAP uma contraproposta interessante e mais de acordo com a ética e o interesse publico. A TAP pagaria inicialmente menos (231 mil) e depois pagaria uma percentagem da sua remuneração mensal, durante um período de 12 a 18 meses, caso não obtivesse um emprego antes desse período. Diz César: “esta solução permitiria que recebesse uma remuneração durante o período de transição para um novo empregador e diminuiria o impacto financeiro (imediato) para a TAP.” Uns cálculos simples mostram que só se A.R. ficasse desempregada durante mais de um ano é que o valor da indemnização superaria o meio milhão de euros. Não sabemos pelo Relatório se esta proposta foi entregue e negociada entre os advogados das partes, mas sabemos que não foi aceite. O que é obsceno não é o valor acordado, mas sim um valor que é pensado em termos de interrupção de um mandato, como compensação, quando muito pouco tempo depois a mesma pessoa é nomeada para o conselho de administração da NAV. Entre a alegada renúncia da TAP (28 de Fevereiro), e a conversa exploratória com o Secretário de Estado das Infraestruturas sobre a NAV (22 de Março) passou-se menos de um mês.

Ao contrário de outras avaliações do Relatório da CPI, concordo com a opção da Relatora de não dar relevância aos incidentes no Ministério das Infraestruturas, no Relatório, na parte que tem a ver com eventual relevância criminal. Agora há uma parte que tem a ver com a tutela política e a gestão do ministério (a existência só de uma cópia do plano de reestruturação num computador de um assessor, por exemplo) que deveria ter sido contemplado no Relatório.

Porém, há uma coisa muito importante que está claramente enviesada na óptica do PS e do governo e que só se pode “justificar” se pensarmos que estamos na antecâmara de um processo judicial que oporá a ex-CEO da TAP ao governo e que tem a ver com o contrato de gestão. Note-se que nada em torno da indemnização a Alexandra Reis (A.R.) teria acontecido se tivesse havido um contrato de gestão com cada um dos administradores, incluindo A.R. obviamente. Mas de quem é a responsabilidade de ele não existir conforme prevê a lei?

Quase toda a narrativa está construída na base de que a responsabilidade da não existência desse contrato de gestão (CG) ser dos membros da Comissão Executiva e do Conselho de Administração da TAP a quem competiria submeter essa proposta (ver pg. 50 ponto 5). Confesso que li quer o Estatuto do Gestor Público (EGP) (que diz que o CG é realizado entre o gestor público, o titular da função acionista e o membro do governo responsável pelo respetivo setor de atividade), quer a Portaria que regulamenta o contrato de gestão, e em lado algum vi a responsabilidade da iniciativa ser dos gestores, apesar de considerar natural que o seja. Seria então bom que a Relatora dissesse exactamente (na Lei ou na Portaria) onde está essa competência mencionada ou, se não a encontrar, que dê outro enfoque a essa parte do Relatório. Mas mesmo admitindo que algures esteja mencionado, parece-me que a inexistência do contrato de gestão é de responsabilidade partilhada, mas maior do governo que não só é o accionista, mas que dispõe da faculdade de considerar nulo o ato de nomeação caso não exista CG ao fim de 90 dias da nomeação.

Uma coisa me parece certa. Há muito amadorismo e informalidade na tomada de decisão política sobre as empresas públicas e o modelo de governação da dupla tutela das empresas públicas, que tantos problemas têm dado ao país, deveria ser modificado. Para além de recomendações para o governo e empresas, talvez fosse bom os deputados pensarem em rever o Estatuto do Gestor Público para acomodar a situação de grandes empresas públicas mercantis que atuam em mercado concorrencial e tornar mais clara a questão das indemnizações que em última análise são pagas por todos nós.