1 Imagine que três pessoas vão numa bicicleta de três lugares, pedalando muito depressa num planalto e a certa altura dois vislumbram um abismo mesmo em frente e começam a travar. Conseguirão evitar a queda e a morte certa? Esta é uma imagem imperfeita da crise climática que vivemos. É um fenómeno global, que não depende do esforço de cada um para a evitar. Há quem a veja claramente e há quem tenha dúvidas e o desfecho é, de momento, incerto. Porém, para os que têm dúvidas ainda agora as Nações Unidas publicaram o Emmissions Gap Report 2022  em que uma das mensagens principais é que o progresso na descarbonização das economias e sociedades tem sido lamentavelmente baixo desde a cimeira de Glasgow (COP26) o que, a continuar, deixará o mundo muito acima dos objetivos do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a um máximo de 2ºC e preferencialmente de apenas 1,5ºC. Para se atingir tal desiderato é necessário que nos próximos oito anos se reduza a emissão de gases com efeitos de estufa (GEE) a níveis sem precedentes.

A dificuldade está em que travar (reduzir as emissões) resulta de decisões políticas tomadas de forma individual por cada um dos Estados. Os atores da crise climática, que pode descambar em tragédia, são todos os países do planeta. Aqui vou sobrevoar apenas as escolhas políticas em três territórios.

2Brasil. Hoje os brasileiros vão a votos escolher o seu próximo presidente. O Brasil tem no seu território, e estendendo-se para os países vizinhos, um dos maiores pulmões do planeta, grande responsável pela remoção de carbono: a floresta da amazónia. Neste primeiro semestre de 2022, provavelmente antecipando a incerteza do que poderá representar um novo inquilino no Palácio do Planalto, a desflorestação da amazónia atingiu níveis recorde de acordo com dados de satélite de uma organização governamental citada pela CNBC. Se é certo que nenhum dos candidatos é um ecologista ou um ambientalista, é de registar que Marina Silva, ambientalista e que foi ministra do ambiente de Lula, rompendo depois com o PT, deu o seu apoio a Lula, não sem exigir deste compromissos em relação à questão climática. A decisão democrática dos brasileiros terá obvias consequências na capacidade de resposta à  crise climática.

3Rússia. A invasão russa da Ucrânia, a chantagem com o uso do gás natural e os cortes no seu fornecimento, a subida do preço das principais fontes de energia e a reativação de várias centrais a carvão na Europa, levaram a um retrocesso no processo de descarbonização das economias em alguns países europeus. Não há muito a percepção que, para além da guerra da Ucrânia, há uma guerra climática e que ambas estão relacionadas. Se conseguirmos acabar a primeira, progrediremos mais depressa no combate da segunda. Subscrevo assim a opinião de Viriato Soromenho Marques  de que em vez do regresso aos combustíveis fósseis os líderes europeus deveriam empenhar-se diplomaticamente em terminar essa guerra. Mais do que dar armamento, formação e inteligência aos ucranianos, que é essencial, urge dar condições para soluções diplomáticas para a guerra. Discordo assim, dos que acham que os europeus devem apenas ser espetadores comprometidos da guerra e esperar que a Ucrânia e a Rússia queiram negociar. Se é certo que os termos de qualquer futuro acordo de paz serão consensualizados pelos dois países, também considero certo de que não haverá uma solução militar para o conflito. A europa devia assim empenhar-se totalmente em facilitar essas negociações, desta forma combatendo a crise social e humanitária da guerra ao mesmo tempo que a crise climática.

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4Portugal. Pesamos pouco na população mundial (0,13%) pelo que não será determinante o que fizermos, mas devemos dar o nosso contributo. Assim, se considerarmos que a redução dos gases com efeito de estufa (GEE) deve ser pelo menos proporcional à população, essa é, aproximadamente, a percentagem do orçamento de carbono remanescente – o total  do carbono antropogénico que pode ser emitido no mundo consistente com um aumento de temperatura de 1,5 graus – que podemos utilizar até atingir a neutralidade carbónica. Nesse sentido Portugal aprovou dois documentos importantes com metas concretas: O Plano Nacional da Energia e Clima (2010) e a Lei do Clima (2021). Esta lei estabelece metas nacionais de mitigação relativas a 2005, de emissão de gases com efeito de estufa, não considerando o uso do solo e florestas, de pelo menos 55%. Até 1 de Fevereiro de 2023 deveremos ficar a saber quais os objetivos para 2023 e 2025. Este ano, e pela primeira vez, o Orçamento de Estado 2023 tem uma secção sobre orçamentação verde em que dá informação sobre as despesas dos vários programas orçamentais setoriais associados a políticas de ação climática. É pouco, mas já é um primeiro passo.

Legislar e regulamentar objetivos e metas para combater a crise climática é o mais fácil. Executar e monitorar esse plano de redução de emissões dos gases com efeitos de estufa será o mais difícil. No Brasil, na Rússia e em Portugal tudo dependerá das escolhas políticas que, entretanto, forem tomadas.