As horas extraordinárias têm sido, desde há muitos anos, a solução mais óbvia, imediata e eficiente para manter os serviços de urgência das diferentes especialidades em funcionamento no SNS durante 24 horas por dia, 365 dias por ano.
As alternativas a isso são: a contratação de prestadores de serviço, num mercado que se tenta limitar, mas em que a procura francamente maior do que oferta, nomeadamente em algumas regiões do País, dita os valores exorbitantes muitas vezes pagos; ou o “alargamento” dos quadros de pessoal permanente dos serviços para responder às necessidades da urgência, criando enorme desperdício de recursos nas restantes atividades, onde sobram profissionais e se amontoam…
A dificuldade para assegurar esses serviços de urgência tem vindo, progressivamente, a agravar-se, tendo tido um dos seus expoentes máximos no verão passado, em consequência de quadros do SNS cada vez mais reduzidos, envelhecidos e desmotivados.
Nesse sentido, o atual Governo publicou o Decreto-Lei n.º 50-A/2022, de 25 de julho, que vem majorar o valor a pagar aos médicos quando realizarem horas extraordinárias, nomeadamente acima das 50 horas anuais e, com ainda maior majoração, acima das 150 horas anuais.
Tal diploma, apesar de ter tido, provavelmente, um efeito limitado e ter sido, inclusive, considerado como “i-na-pli-cá-vel”, pelos limites orçamentais que impunha, tinha de “bondoso” o reconhecimento da importância do trabalho dos médicos do SNS e a tentativa de reduzir a dependência de prestadores de serviço para assegurar as urgências.
Curiosamente, poucos dias depois (10, concretamente), é publicado o novo Estatuto do SNS (Decreto-Lei n.º 52/2022, de 4 de agosto). Assim, em pleno período de vigência do Decreto-Lei que majora o valor a pagar pelas horas extraordinárias realizadas pelos médicos e premeia de forma especial aquelas realizadas acima das 150 horas anuais, é decretada a revogação do artigo 22º-B do anterior Estatuto SNS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 11/93, que excecionava os profissionais de saúde dos limites impostos ao trabalho extraordinário (“A realização de trabalho suplementar ou extraordinário no âmbito do SNS não está sujeita a limites máximos quando seja necessária ao funcionamento de serviços de urgência ou de atendimento permanente…”).
Passa agora a vigorar para todos os profissionais do SNS o estabelecido na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei n.º 35/2014, de 20 de junho) que impõe limites ao trabalho extraordinário (artigo 120º), nomeadamente em termos de remuneração (“…não impliquem uma remuneração por trabalho suplementar superior a 60 % da remuneração base do trabalhador…”) e de duração (150 horas anuais), com todo o acréscimo de constrangimentos que facilmente se adivinham.
Afixar um pionés com um martelo pode ser desastroso. Esta é mais uma “Martalada” que ficou no SNS…