Participei, com os meus colegas gestores dos principais grupos de comunicação social do país, na sessão que teve lugar após o encerramento do 4º Congresso dos Jornalistas, um debate que juntou também o Governo e os sindicatos. Isto após um Congresso que foi interessante, que levantou temas cruciais da agenda atual e que teve o mérito de juntar o setor. Mesmo que os jornalistas não tenham sido propriamente meigos em várias discussões, nem entre os próprios, nem para com as administrações, nem para com o Governo, nem para com outras entidades, como agências de comunicação – o que aliás seria de esperar. Os jornalistas continuam jornalistas e ainda bem. Aqui ficam então algumas notas.
Vivemos um tempo de enorme disrupção e turbulência no mundo da informação, é verdade. Mas há que reconhecer logo à partida que todo este enquadramento não se aplica apenas ao jornalismo em Portugal; estas transformações vertiginosas que provocam crises e abalos sucessivos ocorrem no mundo inteiro, em múltiplos setores e mesmo nos media não afetam apenas o jornalismo, mas também o entretenimento, a ficção, outras áreas. Os dramas que o jornalismo atravessa são afinal os dramas das sociedades contemporâneas e de tantas indústrias criativas: a alteração radical dos hábitos de consumo, a emergência de novas plataformas que tornam obsoletos os meios tradicionais, o falhanço dos modelos de negócio dos operadores incumbentes, a afirmação de novas marcas disruptivas e a decadência ou o desaparecimento de grandes instituições históricas, a desintermediação e o espaço crescente de free lancers, a fragilidade económica que vai das empresas aos trabalhadores e aos acionistas, o triunfo de novos agentes que subvertem as regras que pareciam intocáveis. Estamos todos aqui, assim, no Cinema São Jorge e nesta aldeia global. Não escolhemos nem programámos este novo mundo, ao mesmo tempo que não o conseguimos evitar.
Mas esta é também a hora de afirmar a relevância do jornalismo, como tão bem defendeu a Maria Flor Pedroso, numa expressão feliz que marcou o tom dos trabalhos. Não há sociedade civilizada sem jornalismo de qualidade, independente, ativo. Como foi dito várias vezes, o jornalismo é um serviço público e é essencial o seu papel no escrutínio, na reportagem, na validação dos factos, no confronto de opiniões, no fomento dos debates, no hábito saudável de ser contrapoder, na investigação, na formação de pensamento. No contexto atual, com tudo o que se passa na América, com tudo o que se passa e pode vir a passar na Europa, face a um ambiente global de polarização, às ameaças de populismo, às possibilidades de manipulação, aos desequilíbrios narrativas-factos, perante os efeitos rebanho e os riscos inescapáveis desses espaços públicos pulverizados que são as redes sociais, é cada vez mais importante sublinhar os valores essenciais da boa informação: o pluralismo, a independência, o respeito pelo contraditório, a isenção, o bom senso e até o humanismo.
Muito se discutiu neste Congresso a precariedade e a RTP esteve, como costuma estar, na berlinda (apesar de não ter o monopólio neste domínio). Assumimos que estas situações são uma pecha a corrigir, que resultam das limitações impostas às empresas públicas desde 2012 e que ainda vigoram, estando aquelas impedidas de contratar livremente para os quadros, enquanto o mundo continuou a girar e o setor a evoluir, pelo que só encontrando as formas pragmáticas de atrair talento e capacidades tem sido possível manter a relevância e responder a desafios e missões crescentes. À semelhança de tantos operadores públicos de referência, em países civilizados como França, Holanda, Finlândia, Dinamarca (onde os chamados precários ou prestadores de serviços são centenas e centenas em cada empresa do Estado, rondando cerca de 20% dos quadros em alguns daqueles casos), a RTP recorre a colaborações externas de vária ordem, uma solução que não é a mais desejável mas tem sido a possível, tentando dar oportunidades de trabalho às pessoas e fazendo um esforço para não discriminar negativamente estas situações. Não deixa aliás de ser surpreendente que se fale tanto de precariedade, apesar de mesmo assim se tratarem de situações de atividade, de desempenho, com naturais perspetivas de evolução e se fale tão pouco daquilo que é bastante mais pungente: a destruição de inúmeros postos de trabalho e a ida para o desemprego de profissionais seniores e qualificados, vítimas dos processos de reestruturação e encerramentos que continuam a assolar o setor. Bem sabemos que os precários são o flavour of the month, mas arriscaríamos dizer que o maior drama reside ao lado.
Por fim, falou-se evidentemente do digital. Da ameaça do digital, das possibilidades do digital, do incontornável digital. Tive a oportunidade, uma vez mais, de referir que na RTP abraçamos de frente o digital. Apesar de todas incertezas e distorções, apesar de ainda nenhum operador tradicional ter conseguido assegurar a sustentabilidade económica neste domínio, não temos dúvidas que devemos surfar esta tendência, devemos investir no multimedia, devemos dizer presente nesta corrida. Já não vai ser possível voltar a colocar o génio na garrafa e todos os meios de comunicação social só manterão a sua relevância se forem fortes nas novas plataformas, se forem atrás destes públicos, se inovarem e desmultiplicarem a sua oferta. Para além dos casos da rádio e televisão, onde quem trabalha com vídeo e áudio tem uma vantagem à cabeça, mesmo no meio mais fustigado pela crise, a imprensa escrita, é evidente que só os jornais que se reinventam no online, como por exemplo o Guardian a nível internacional e vários em Portugal, só estes continuarão a progredir. Os jornais para continuarem a existir como jornais, as televisões para continuarem a existir como televisões e as rádios para continuarem a existir como rádios terão de se afirmar e descobrir novas vidas no digital. Tão simples como isso. Não é uma matéria de opção, é um tema de sobrevivência.
Na semana em que toma posse o Presidente americano mais antimedia de toda a história, com os imponderáveis que esse ambiente de circo comporta, vale a pena recordar Jefferson, que dizia não hesitar entre a opção de haver um governo (ou já agora um país) sem jornais ou de haver jornais sem governo. Mas esta tirada, tão conhecida, não termina aqui. Jefferson não preferia apenas um mundo cheio de jornais e jornalismo; ele dizia que se esforçaria para que todas as pessoas tivessem acesso aos jornais e fossem capazes de os ler.
Presidente da RTP