Há pouco mais de 10 anos enfrentávamos um crise de dívida publica. De uma forma simplificada, pode-se dizer que a crise foi despoletada por um défice orçamental superior a 10%, uma dívida publica elevada com maturidade reduzida (±7 anos) e um forte aumento de juros associados a essa dívida. O que é que originou este enquadramento? A vinda da Troika. Quem é que nos levou a esse ponto? A coisa socialista de José Sócrates.

Após tomar posse, simultaneamente limitado pela negociação socialista do Memorando de Entendimento e pelos compromissos nele assumidos, o PSD de então escolheu um caminho que passou por um enorme aumento de impostos, pelo aprofundamento do corte de pensões e de salários na função pública que tinha sido iniciado por José Sócrates e por algumas reformas que visaram aumentar o potencial de crescimento e de produtividade do país. Não está aqui em causa se as medidas (ou se a sua extensão) foram as mais corretas ou não. O ponto é salientar que as mesmas estavam apoiadas num racional inteligível.

Volvidos 10 anos estamos numa situação muito diferente. O défice orçamental que se  espera para este ano ronda os 2%, os juros a pagar são substancialmente mais baixos e a maturidade média da dívida situa-se nos 14 anos. A pouca dívida que terá de ser renovada sê-lo-á a juros superiores aos que agora nos começamos a deparar (mas ainda assim muito inferiores aos de 2011). E apesar do stock da dívida ser bastante elevado, a inflação já reduziu e continuará a reduzir o seu valor real de forma significativa, contribuindo para a sua sustentabilidade.

Por outras palavras, a realidade com que lidamos agora é distinta daquela que vivenciamos há cerca de uma década. A crise que enfrentamos não é de sustentabilidade das finanças publicas. Decorre directamente do aumento da inflação.

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Mediante esta constatação, que vemos o Governo a fazer? Um enorme aumento de impostos pela não atualização dos escalões do IRS, um corte no salário dos funcionários públicos equivalente a um més de salário (um subsídio de Natal) e um corte nas pensões na ordem dos 4 a 5% (meio subsídio de Natal). Paradoxalmente, trata-se dum enorme aumento de impostos e dum enorme corte na despesa publica. De tal ordem que será igual ou superior ao “brutal aumento de impostos” anunciado por Vítor Gaspar, aumento esse que os socialistas tanto criticaram.

Não deixa de ser irónico que o governo socialista, que acusou o governo de Pedro Passos Coelho de ter uma obsessão pela austeridade e que sempre afirmou querer “virar a página da austeridade”, venha agora optar por medidas que sempre criticou. Ainda por cima sabendo que as medidas tomadas em 2011-13 pretendiam controlar o défice público. Nunca visaram a inflação.

Não é de admirar que o PS tenha ficado impassível perante o lastimável estado em que deixou as contas públicas em 2011. Nem tampouco deve surpreender que agora esteja às escondidas a aplicar austeridade à fartazana. As célebres cativações do duo Costa & Centeno nunca foram mais do que austeridade encapotada, a qual, através da não correspondência entre o que foi orçamentado e executado, originou desinvestimento. O SNS e a educação são disso ilustrativos.

Ora, problemas diferentes requerem soluções políticas distintas. Não me alongarei quanto às políticas que considero necessárias (políticas sociais de protecção às franjas da população em risco, políticas de oferta que visem tanto o aumento de produtividade como o aumentar da taxa de participação no mercado de trabalho e políticas de oferta sectorial, focalizadas em áreas específicas como, por exemplo, o mercado de energia), mas dois pontos são de referência obrigatória.

A opção socialista por uma prática indiscriminada de austeridade denota duas coisas. A primeira é que o PS não compreende qual a situação económica que vivenciamos. Achará o Governo que o problema é a subida das taxas de juro e não a inflação? A segunda, que requer um elevado nível de perplexidade, é a disponibilidade total para a aplicação de medidas de austeridade sem racional que as justifique.

Uma coisa é certa. Há sete anos que temos as cativações do duo Costa & Centeno. Agora, com estas decisões, também passaremos a ter a austeridade da dupla Costa & Medina. Austeridade pura e dura. Sem razão para tal. Infelizmente, a irracionalidade da coisa socialista continua de vento em popa.

E o que fica em aberto são as consequências destas decisões.