As eleições na Turquia provam os limites de uma oposição quase unida. No último domingo, contrariando as sondagens, a imprensa internacional e boa parte da opinião local, o presidente Erdoğan forçou uma segunda volta eleitoral e ficou a cerca de meio ponto percentual de resolver a questão sem mais.
O resultado foi realmente surpreendente, porque as sondagens que davam vantagem à oposição pareciam traduzir perfeitamente o contexto turco. O último ano foi terrível, com a inflação a atingir os 90% e dois terramotos a provocarem milhões de desalojados e dezenas de milhares de mortos, com o presidente e o governo a parecerem incapazes de gerir competente o quotidiano. A ajuda tardou a chegar às regiões afetadas, que continuam por reconstruir, num esforço de investimento que se estima poder atingir os 100 mil milhões de euros, e o ressentimento desempenhou um papel na campanha das últimas semanas.
Do lado da oposição, uma coligação de seis partidos apoia diretamente a eleição de Kemal Kılıçdaroğlu, chefe do que sobra dos kemalistas, unidos mais no combate a Erdoğan e ao presidencialismo que construiu para si próprio enquanto esvaziava o parlamento do que numa agenda própria para o país. Kılıçdaroğlu é um velho conhecido, liderando o maior partido da oposição há uma década e assistindo à concentração de poder de Erdoğan sem nunca ter demonstrado capacidade para o derrotar em eleições. A sua escolha como candidato foi recebida com pouco entusiasmo, por ser um elemento pouco carismático numa campanha crucial, mas uma série de vídeos virais na sua cozinha, em que expunha à população cebolas que se tinham tornado dez vezes mais caras, ajudou a combater essa perceção e a criar a ideia de que talvez tivesse sido boa ideia.
Não terá sido o caso. Ainda que falte a segunda volta e possa haver uma dificuldade de mobilização do seu eleitorado, Erdoğan ficou próximo da maioria absoluta e os últimos dias têm mostrado sinais de desapontamento na oposição. A ideia de que este era o momento ideal para destronar o regime tinha-se enraizado e a surpresa da derrota no domingo veio expor a falta de uma estratégia para a segunda volta. Apesar de alguma tensão durante a contagem dos votos e das limitações à liberdade de imprensa e expressão durante a campanha, não parecem subsistir grandes dúvidas sobre a legitimidade dos resultados oficiais, o que dificulta ainda mais a mensagem da oposição.
Para Erdoğan, ainda que precisar de uma segunda volta seja novidade, a dinâmica criada para o candidato que vence as sondagens parece suficientemente forte para selar a vitória definitiva e, no atual contexto, parece até um pequeno sacrifício para lá chegar. Os turcos, que votaram em grande número, continuam a respeitar e admirar a sua proposta única de conservadorismo patriota e religioso, mesmo que nos últimos anos se tenha perdido o reformismo que inicialmente o acompanhava. Mesmo nas regiões mais afetadas pelos terramotos, os seus resultados são sólidos e impressionantes, dando a entender que o país confia em si para a reconstrução e não ficou convencido com a coligação.
De forma mais alargada, grandes coligações da oposição têm-se revelado más ideias para derrotar eleitoralmente poderes instalados há muito. Tal como aconteceu na Hungria há meses, a ideia de que unir forças políticas antagónicas funciona como mecanismo para alcançar grandes maiorias nacionais provou-se errada e há lições a tirar daí para o resto do mundo – os partidos unidos no apoio a um candidato presidencial não tiveram um resultado maior do que a sua soma concorrendo separadamente, como se verificou nas eleições parlamentares que decorreram no mesmo dia.
Para a União Europeia, a Turquia continua a ser um problema que devia ser um aliado. Seria de pensar que 20 anos de Erdoğan tivessem significado estabilidade e segurança nas relações com a Turquia. Não é o caso, nem sequer se pode falar de uma política europeia para a Turquia, quer porque Erdoğan raramente prefere ser cooperante quando pode ser vitorioso, mas também porque há tensões geopolíticas que não se resolvem com facilidade, desde logo na rivalidade com a Grécia e nas pretensões territoriais em relação a Chipre. Ainda assim, a Turquia é um membro da NATO e Erdoğan nunca deixou de ser alguém com quem se consegue alcançar um acordo difícil, como aconteceu a propósito dos refugiados sírios, da adesão da Finlândia à NATO ou do acordo para exportação de cereais ucranianos, o que não deixou de ser considerado.
Apesar de a oposição se apresentar como mais favorável a um realinhamento europeu e ocidental, o silêncio das instituições em Bruxelas e das capitais europeias durante a campanha eleitoral veio a revelar-se a decisão certa num contexto incerto. No final do dia, há quem prefira lidar com um inconveniente que conhece.