Somos todos a geração do Antropoceno: o tempo em que a vida no planeta tal e qual a conhecemos está em risco pela acção humana. Uma geração do paradoxo da emergência climática: actua já para o tempo longo! Esse é também o mote da Agenda 2030 das Nações Unidas, a principal política global do Antropoceno que tem neste ano o seu ponto médio de implementação. Chefes de Estado e de Governo, organizações internacionais, setor privado, sociedade civil e outras partes interessadas de todo o mundo reunir-se-ão em setembro para acompanhar e rever a implementação desta Agenda e dos seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). O encontro servirá ainda para lançar as bases para a Cimeira do Futuro, de 2024, já considerada como uma oportunidade única para esta geração encontrar formas de governança global que realmente possam impactar a vida das pessoas.

E, no entanto, onde estamos nós em Portugal? Entre a política do Antropoceno, a política de projecto de um partido e a política de interesses de uma clique ou mesmo de indivíduos, tudo se dissolve em imagens: uma política de cenas. É a imagem que faz e desfaz o poder. Quando a política se reduz a cenas televisivas não possibilita ao cidadão uma perspectiva de tempo longo e cria uma sensação de deriva existencial, de ausência de sentido e de ordem. A segurança ontológica (sentido de ordem e de continuidade a respeito das experiências do indivíduo) implica uma política de tempo mais longo, o que traz obviamente outros problemas: o da aceitação do país como um sistema aberto ao invés de um sistema mais fechado. E essa escolha deve ser clara e comunicada, se não for mais, através de um projeto governativo. Claro que, porventura, perante a percepção de deriva que se criou, uma certa ideia de ordem em nome do povo pode bem ser, infelizmente, uma receita mais simples.

Entre um tempo geracional, um tempo de legislatura e um tempo mediático, este último vai devorando tudo. Não é certo sequer que estejamos perante um governo-projecto; a haver tal projeto, ele não o é adequadamente comunicado. Toda a política se transformou antes em telefilme: um seriado diário em formato de telenovela numa mistura de reality show e de um mau policial. O que queremos saber é já só como tudo irá acabar! A metáfora dos mortos-vivos (a saga zombie) parece rondar-nos constantemente. Quem morde e quem já foi mordido e como a doença alastra: a isso se reduz o nosso dia-a-dia, ao mesmo tempo que sabemos não ter sentido. É esse também o dilema do cronista: sucumbir ao tempo curto de crítico de televisão para ser lido ou rejeitar esse tempo como doença crónica? Tal como Cronos, o rei dos titãs, o cronista tem de lidar com o tempo que rege os destinos e que tudo pode destruir!

Vivemos uma doença do tempo que precisamos de enfrentar. O tempo curto, de cenas, é um placebo, uma distracção face a um espírito do tempo de final de tempo: de últimas gerações e, mesmo, a ter em conta os cenários mais pessimistas, de possível extinção. Assim, a política do Antropoceno é humanitária ou não é política: aquela em que as actuações de hoje se percebem num quadro transfronteiriço e transgeracional. E a política humanitária não terá senão três grandes modelos: pôr pensos em feridas; criar uma distância entre “vida nua” (não-cidadãos) e cidadãos e criar uma cidadania global. A primeira evidencia-se em todos os assistencialismos do Estado de Bem-Estar falhado que produz o círculo vicioso da miséria; a segunda metaforiza-se pelo Mediterrâneo – onde tantos morrem pela ambição de serem cidadãos – e em tantas outras vidas migrantes que pensavam que bastava chegar… à Europa! Só a cidadania global é uma verdadeira força transformadora de uma política humanitária: a criação de uma ecumene cidadã (um espaço de fluxos interculturais em que todos têm o direito a ter direitos). É isso que é a Agenda 2030 dos ODS e aí também se vê o projecto da União Europeia cujo (in)sucesso como modelo marcará a sua possível replicação. Todos devíamos estar envolvidos na criação de ecumenes cidadãs.

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Aceitando a necessidade de um governo-projecto, decorrente de uma lógica de luta partidária típica de um regime democrático, este governo-projecto tem a obrigação de ter uma comunicação para com os cidadãos de forma periódica que evidencie o cumprimento de objetivos e metas de um programa geracional e mesmo transgeracional e num quadro territorial alargado. Um programa geracional (a 20 anos) claro para todos, se não é obrigação do governo, será certamente da Assembleia da República, onde estão os que têm a responsabilidade de nos representar a todos. É esse programa geracional que é expectável que seja corporizado pela Administração Pública. Nada disso acontece quando um governo sucumbe a um tempo mediático semanal e mesmo diário e a Administração Pública é permeada pela politização, não só a um nível direto pelas nomeações políticas que colonizam a Administração pela política-projecto, mas também por um espírito do tempo de tempo curto.

O Antropoceno (o planeta-humano enquanto problema) também se refere como Capitaloceno (o problema é antes do capitalismo), Chthuluceno (o problema é complexo e tentacular) ou mesmo Piroceno (o fogo como força do Antropoceno). Adoptando uma ou outra denominação, é a responsabilidade humana face ao que já aconteceu (o ‘Mau Antropoceno’) que implica uma forte aposta no futuro, moldando-o num ‘Bom Antropoceno’: a possibilidade de reinvenção perante um impasse civilizacional. O futuro deve ser a nossa maior aposta: educacional, como sublinhou este ano o Secretário-Geral da ONU, mas também de administração e política. Tal implica, de facto, uma opção prévia: passar de uma política de cenas e de sistema fechado, nacional, para uma política de tempo geracional e de sistema aberto, transnacional. E tal implica também um salto transformador de quem dirige, no sentido de aceitar a complexidade e partilhá-la com os cidadãos.

A governação num tempo longo só é possível pela passagem de uma lógica hierárquica para uma lógica em redes: uma lógica de ‘governança dos comuns’ em que todos são chamados a ter um papel na gestão do valor público. E tal como se fala de uma ‘economia de partilha’, é também preciso uma ‘política partilhada’! Quanto mais chamarmos os cidadãos à coresponsabilização num tempo longo (leia-se, de cocriação e coprodução de políticas públicas, sem que isso implique a desresponsabilização política) mais resposta teremos dos mesmos. Às tentativas e erros da coresponsabilização entre privado e público para a prossecução de fins públicos que datam dos anos 80 e 90 do século passado, há que acrescentar agora a complexidade da coresponsabilização com os cidadãos de uma forma mais geral. E aceitar que se trata de um processo de aprendizagem da transformação. Mas só pode haver aprendizagem em função de um conhecimento de uma visão de futuro com um objectivo comum e da sua discussão.