Susana Peralta escreveu recentemente um artigo de opinião em que comenta a notícia, divulgada pela RTP Notícias em 17 de setembro, de que «o Parlamento corrigiu hoje de dois para um o número de juízes a eleger para o Tribunal Constitucional, após Almeida Ribeiro ter recebido parecer negativo na sua candidatura ao Tribunal de Justiça da União Europeia».

Nas palavras da cronista, «a conferência de líderes tinha agendado para dia 25 a votação da substituição de José Teles Pereira, cujo mandato já terminou, e de Gonçalo de Almeida Ribeiro, cujo mandato expira em meados de 2025. Parece que não era só o juiz que estava convicto da “única e razoável” decisão do Comité 255 de dar um parecer favorável à sua nomeação. Confrontada com a alegada falta de razoabilidade do comité, a conferência de líderes fez publicar nova agenda, corrigida, com a eleição de apenas um juiz-conselheiro».

Eu explico: estava agendada para o dia 25 de setembro a votação pelo Parlamento da substituição de Gonçalo de Almeida Ribeiro como juiz do Tribunal Constitucional, em vista da sua esperada confirmação como juiz do Tribunal de Justiça da União Europeia. Agora, em face do parecer desfavorável do Comité 255 – o comité previsto no artigo 255.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia «a fim de dar parecer sobre a adequação dos candidatos ao exercício das funções de juiz ou de advogado-geral do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral, antes de os Governos dos Estados-Membros procederem às nomeações» – Gonçalo de Almeida Ribeiro já não irá ser substituído e cumprirá o seu mandato até ao respetivo final, previsto para meados de 2025.

É este facto que causa a indignação de Susana Peralta: segundo defende, o atual Vice-Presidente deveria ter-se demitido do Tribunal Constitucional antes de candidatar-se ao Tribunal de Justiça da União Europeia, ao invés de condicionar a demissão do TC à confirmação da sua nomeação para o TJUE. Não o tendo feito, deveria agora ser em qualquer substituído pelo Parlamento, deixando de exercer as suas funções como Vice-Presidente do Tribunal Constitucional.

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Não costumo ler as crónicas de Susana Peralta e, por isso, ignoro se o que escreveu sobre este assunto reproduz um padrão mais geral de opinião, mas raramente tenho lido nos últimos tempos uma posição tão disparatada sobre um assunto da nossa vida pública. Tal posição equivale sensivelmente a defender que um juiz de carreira, possivelmente a exercer funções como presidente de um Tribunal da Relação, deve demitir-se antes de candidatar-se ao Tribunal Constitucional, ou que um professor universitário que se candidate a uma vaga numa outra universidade deve, primeiro, demitir-se das funções que exerce.

Vale a pena ter presente, antes de prosseguir na análise deste completo dislate, a opinião emitida por Joseph Weiler, um dos mais reputados académicos na área do Direito da União Europeia, sobre o parecer desfavorável emitido pelo Comité 255. Segundo escreveu recentemente, no caso de Gonçalo de Almeida Ribeiro, rejeitar apenas com base numa regra formal de 20 anos de experiência escolhida arbitrariamente (sem apoio no texto dos Tratados), «o Vice-Presidente do Tribunal Constitucional de um Estado-Membro, parece-me exceder qualquer teste de tomada de decisão razoável». Assim, segundo Weiler, «os Estados-Membros não deveriam seguir o parecer do Comité e confirmar a nomeação de Gonçalo Manoel de Vilhena de Almeida Ribeiro».

Em vez de atentar neste facto, isto é, na recusa sem precedentes da candidatura a juiz do TJUE de um Vice-Presidente do Tribunal Constitucional de um Estado-Membro, Susana Peralta, na «melhor tradição bafienta do burgo», prefere centrar-se em pormenores pessoais relativos à audiência parlamentar de Gonçalo de Almeida Ribeiro que precedeu a intervenção do Comité 255.

Finalmente, uma declaração de interesses: sou amigo de Gonçalo de Almeida Ribeiro, por quem nutro uma enorme admiração enquanto académico e juiz. Em minha opinião, seria a melhor escolha de Portugal para preencher a vaga de juiz no TJUE. Gostava que Susana Peralta tivesse também declarado os seus interesses e assumido o verdadeiro propósito que a anima: o desfecho da eleição para o cargo de Vice-Presidente do Tribunal Constitucional e o desejo da sua antecipação em relação ao termo do mandato de Gonçalo de Almeida Ribeiro, afastando um obstáculo aos interesses que defende em relação à composição daquela instituição. O resultado contrário é, de resto, a única vantagem que o País poderá vir a tirar de todo este triste episódio: a certeza de que tal mandato chegará ao seu termo com um juiz constitucional de excecional craveira.