Parece que já não vai discursar, embora ainda possa aparecer. Mas não devemos dar o caso por encerrado, como quer o presidente da Assembleia da República. A ideia de fazer de Lula da Silva o foco da comemoração do 25 de Abril é reveladora sobre o que governo socialista pode fazer ao regime. Andamos preocupados com a economia e a sociedade. É natural: vivemos num país onde a população empobrece e diminui, porque o poder socialista, com o seu garrote intervencionista e fiscal, a impediu, nomeadamente entre 2015 e 2019, de aproveitar a mais favorável conjuntura global de sempre. Mas um povo mais pobre e portanto mais dependente não é a melhor notícia para uma democracia, se entendermos que uma democracia requer uma sociedade civil de cidadãos autónomos. É este tipo de sociedade que o poder socialista está a destruir em Portugal. Mas essa não é a única via pela qual tem comprometido a democracia. O celebração de Lula na sessão do 25 de Abril remete para outra.
Lula da Silva é o presidente eleito do Brasil, e como tal faz todo o sentido que as autoridades portuguesas o convidem e o visitem, tal como teria feito sentido convidar e visitar Bolsonaro. Mas associar Lula da Silva à sessão solene da Assembleia da República em que se celebra a fundação da actual democracia portuguesa, já não seria tratá-lo simplesmente como presidente do Brasil, mas como alguém que tivesse, a respeito da democracia, algo a admirar e a ensinar. Ora, Lula da Silva, presidente legítimo do Brasil, não tem nada para admirar ou para ensinar sobre democracia. Lula é incapaz de condenar Putin e capaz de elogiar ditaduras como a cubana. Lula foi um presidente que, nos seus anteriores mandatos, subverteu a democracia brasileira através de um esquema de corrupção e abuso do poder que fez uma grande parte da população desconfiar do regime, e que explica Bolsonaro. Ao contrário do que parece ser costume dizer, o que Lula fez é tão ou mais grave do que tentaram fazer, em Janeiro, umas centenas de bolsonaristas. Os bolsonaristas vandalizaram edifícios; Lula vandalizou instituições. Era esta figura enlameada e rancorosa que o poder socialista queria obrigar os deputados a ouvir, a aplaudir, e a celebrar como exemplo para a democracia.
Para quê? Para obter o que a direcção da IL logo prometeu, que foi deixar as bancadas vazias quando Lula começasse a falar. A IL esteve bem. É provável que a restante direita, caso não se quisesse sujeitar a uma humilhação, tivesse feito o mesmo. Mas nada poderia ter sido mais doce para o poder socialista do que as imagens de uma comemoração da democracia com as bancadas à direita todas vagas. Que melhor prova de que a oposição de direita não pertence a este regime? Desde 1974, que as esquerdas portuguesas têm dificuldade em admitir, como notou António José Saraiva, que só pode haver democracia se houver pluralismo, isto é, se liberais e conservadores tiverem lugar no regime. O PCP e o BE nunca reconheceram isso: quem não pensa como eles é “fascista”, e devia estar na prisão. O PS oscilou, conforme as suas conveniências de momento. Umas vezes, deu-lhe jeito tolerar a direita; outras vezes, foi quase tão veemente como os comunistas na discriminação. Perante a estagnação económica e a degradação dos serviços públicos, o PS parece tentado pela polarização e pela crispação como últimos expedientes para manter o poder. Temos assim legislação ostensivamente radical, para monopolizar o esquerdismo, e a sacralização de Lula, para forçar os que podem substituir os socialistas no governo a ficar fora do retrato do regime. A economia não será a única vítima do poder socialista.