A exclusão do Chega, em que comungam todos os outros partidos parlamentares, é a grande estupidez do regime. Entendamo-nos: não é preciso gostar do Chega. Mas é mesmo necessário vê-lo como o Adamastor da democracia? Para quê tanto dramatismo? Porque não encará-lo como a natural emergência em Portugal de uma direita nacionalista que, outrora diluída nos partidos conservadores-liberais, adquiriu autonomia partidária e relevância popular com as mudanças estruturais da globalização e a institucionalização do wokismo? A esquerda chama-lhe fascista, mas a esquerda sempre chamou fascista a quem não pensa como ela. O problema não está à esquerda. Está à direita. A direcção do PSD não tinha obrigação de saudar um concorrente. Mas precisava mesmo de alinhar na diabolização do Chega, nos mesmos termos em que a esquerda diabolizou todos os partidos de direita desde 1974?

Talvez a direcção do PSD soubesse que era demasiado fraca para sobreviver às eleições sem esse truque: ou votam em nós, ou, porque “não é não”, deixamos o PS no poder. Desse ponto de vista, o resultado é patético. Mesmo com a chantagem do “voto útil”, o PSD só governará porque há uma maioria de direita, isto é, graças ao Chega. Sem isso, nunca a esquerda o deixaria governar. No entanto, Luís Montenegro recusa-se a conversar com quem tornou possível que seja indigitado para formar governo. A maior maioria de direita de sempre, saída da eleição mais participada em 30 anos, poderia ter sido a grande base de uma governação reformista. Em vez disso, o PSD resolveu fazer dessa maioria o banquinho periclitante de um governo fraco: um governo que até pode durar, mas que nunca representará outra coisa para o país senão a “estabilidade” do “tudo na mesma”, com mais uns dinheiros para este ou aquele grupo, como o PS fazia. Resta ao PSD imaginar que está em 1987, e que o eleitorado penalizará quem derrube o governo. Não lhe ocorre que possa penalizar quem, tendo condições para isso, preferiu não fazer um governo forte.

A marginalização do Chega tem um duplo efeito: enfraquece o governo do PSD, mas também a oposição do PS. Não vai ser fácil para a esquerda desempenhar o papel de oposição, quando há um partido contra o qual o regime está unido, e que por isso será visto como a verdadeira alternativa. Se o PS for tentado a deixar durar um governo fraco do PSD, que respeite o domínio socialista do Estado e não mexa nas políticas públicas, o resultado será uma bipolarização, com o Chega de um lado e os demais partidos do outro. Temos o exemplo em França. A demonização da Frente Nacional fundiu os outros partidos numa caldeirada de vaidades e impotências à volta de Macron, com a excepção de Mélenchon, que fez da extrema-esquerda o testa-de-ferro do islamismo radical. Num Portugal traduzido do francês, teríamos um Chega a crescer, e um governo que, por causa das incompatibilidades dos seus apoiantes, nada poderia fazer de decisivo. A política reduzir-se-ia a isto: impedir o Chega de governar. Não haveria espaço para discutir mais nada, a não ser o Chega. Portugal passaria a ser o país de André Ventura.

Só há uma maneira de prevenir isso: é o PS e a esquerda honrarem os seus pergaminhos, e fazerem guerra sem quartel ao governo, até estarem de um lado os que querem reformas, e do outro os que não querem. Na noite eleitoral, saiu a Pedro Nuno Santos uma frase torta, mas sugestiva: “não nos compliquemos”. É isso mesmo. Montenegro complicou a política portuguesa. Esperemos que Pedro Nuno Santos ajude a descomplicá-la. Os disparates do PSD deixaram-nos nesta situação: ter de confiar na esquerda, e no efeito salutar que, por uma vez, possa ter o seu sectarismo.

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