Desculpem-me o título deste artigo pouco convencional, mas foi a primeira frase que me saiu esta manhã quando do canto da minha quarentena comecei a ouvir as notícias. Estou naturalmente a referir-me aos muito comentários oportunistas sobre o papel das instituições europeias, e nomeadamente da Comissão Europeia, instituição que eu represento, no combate à epidemia de COVID-19. Serve este artigo para explicar aos leitores que a UE, por muito surpreendente que pareça, não tem praticamente poderes nenhuns sobre as áreas da saúde nem do combate às epidemias: a Comissão Europeia não tem poderes para ditar medidas de saúde pública, não pode fechar fronteiras e obrigar as pessoas a ficar em casa. O que a Comissão Europeia pode fazer – e está a fazê-lo incansavelmente desde há várias semanas – é coordenar a resposta dos Estados-Membros na luta contra o vírus e reforçar os meios que a UE tem à sua disposição para ajudar os Estados-Membros a dar a melhor resposta possível, quer em termos de cuidados de saúde, quer em termos socioeconómicos, quer em termos de repatriamento dos cidadãos que se encontram em países fora da UE. Não poderei fazer uma lista exaustiva de todas as medidas tomadas até agora, mas aqui vão alguns exemplos:
Na área da saúde, a Comissão tem coordenado vários procedimentos de aquisição conjunta de material de proteção e material de testes para que todos possam estar protegidos; também avançou com a aquisição de material próprio e da sua colocação à disposição dos Estados-Membros que mais deles precisam; tem estado em contacto constante com a indústria europeia para promover o fabrico de mais material nos próximos dias e fazer com que ele chegue a quem mais precisa. Na área da mobilidade: está a coordenar com os Estados-Membros as limitações nas fronteiras de maneira a assegurar que se criem «corredores verdes» de passagem de bens essenciais, pessoal médico e outras pessoas que devem cruzar as fronteiras, pessoas que estão em trânsito de regresso a casa, trabalhadores fronteiriços etc. A UE também já repatriou 1159 cidadãos que se encontravam em países terceiros e queriam regressar aos seus países através do RescEU, o Mecanismo de Proteção Civil da União Europeia. No apoio à investigação e ciência, além dos vários processos de candidaturas que foram lançados para apoiar através de subvenções as atividades de investigação desenvolvidas por PME e startups que têm tecnologias e soluções de combate à epidemia, a UE apoiou financeiramente com 80 milhões de euros a biofarmacêutica alemã que está a desenvolver a vacina contra o novo coronavírus para que esta esteja disponível o mais depressa possível. Quanto às medidas económicas: a UE disponibilizou 37 mil milhões de euros para ajudar os Estados-Membros a fazerem face às suas necessidades orçamentais, flexibilizou e vai apresentar ao Conselho uma proposta de «congelamento» das regras orçamentais e do Pacto de de Estabilidade e Crescimento, flexibilizou ao máximo as regras aplicáveis aos Auxílios de Estado. Enfim, tudo aquilo que pode flexibilizar e propor para que os Estados-Membros possam fazer face à crise. Convido-vos a visitar os seguintes sítios Web para se manterem informados sobre as atividades das Comissão Europeia: representação da Comissão em Portugal e página Web da Comissão sobre a resposta da UE ao surto de COVID-19. Podem pensar que 37 mil milhões de euros ainda é poucochinho. Pois é, mas são as reservas de liquidez que a Comissão Europeia tem neste momento e que pode disponibilizar de forma mais imediata.
Tudo isto leva-me ao meu primeiro ponto de reflexão: o facto de as instituições da União Europeia não terem poderes «com mais dentes» para tomarem medidas que têm efeitos mais imediatos na vida das pessoas decorre justamente do facto de tais medidas estarem reservadas, nos termos dos Tratados, aos Estados-Membros que, enquanto Estados soberanos, têm tal responsabilidade. Assim se devem entender as inúmeras declarações públicas feitas pela Presidente da Comissão Europeia, no sentido de apelar à solidariedade dos países para que tomem medidas concertadas e façam o necessário para combatermos juntos esta crise. «Combatermos juntos esta crise» tem de ser a palavra de ordem!
O meu segundo ponto de reflexão é o seguinte: tenham confiança nas instituições públicas nacionais e da União Europeia! Nós temos o privilégio de viver num país como Portugal, em que os nossos governantes têm sabido estar à altura da situação mostrando solidariedade e sentido de Estado. A população, as empresas e as instituições têm sido cooperantes e estão a fazer tudo o que podem para reorganizar o seu modo de vida e produção. Temos a sorte inestimável de viver na União Europeia, em que a Comissão Europeia tem trabalhado incansavelmente para fazer tudo o que pode, para utilizar todas as suas ferramentas, poder negocial, político e diplomático para ajudar os países e fazer chegar às pessoas o que elas mais precisam. E assim vamos continuar a fazer em verdadeiro espírito solidário.
E não me interpretem mal, eu não digo que não haja espaço para críticas. A União Europeia é um projeto inacabado e, por isso, imperfeito. As crises servem para tirarmos lições e melhorarmos a nossa União. Esta crise, por maioria de razão, exige muita liderança política e solidariedade entre os Estados-Membros. Mas sejamos construtivos, de nada serve atirar as culpas para cima.