Então, o governo não andava a dizer que ia criar em Portugal um mecanismo jurídico semelhante ao dos Estados Unidos e do Brasil chamado «delação premiada»? Esqueceu-se? Pessoalmente, não sou contra, até porque o mecanismo não isenta o «delator» das suas responsabilidades se tiver havido crime da sua parte. Limita-se a minorar a pena, como tem sucedido no Brasil, onde assim se revelou, pela primeira vez, a enormidade dos crimes de corrupção e de enriquecimento do famoso processo brasileiro do «Lava Jacto». Ou então o governo que defina já condição de «denunciante» de crimes bem piores do que a espionagem informática contra os prevaricadores, como reclama a UE!

Duvido, contudo, que o governo queira efectivamente ir ao fundo do mar de corrupção em que o país mergulhou, incluindo pessoal da classe política e dos partidos governamentais. É isso que se tem visto no tratamento reservado a Rui Pinto, cuja delação às actuais autoridades angolanas serviu para estas instaurarem um processo contra a Eng.ª Isabel dos Santos e os seus cúmplices por motivos – aparentemente manifestos – de desvio de fundos e lavagem de dinheiro, bem como de estarem mancomunados com indivíduos e empresas portuguesas!

Ora, quando se revelou que Rui Pinto era o «denunciante» dos comportamentos corruptos da Engenheira, dos seus colaboradores e, segundo toda a probabilidade, de um grande número de cidadãos portugueses da «alta-roda» partidária, financeira e jurídica, a Embaixadora Ana Gomes assinalou imediatamente que as autoridades angolanas não tinham hesitado em usar as informações fornecidas pela denúncia e em pedir a colaboração da justiça portuguesa para o processo, presumindo que esta não hesitaria em fornecer o seu apoio, nomeadamente no que diz respeito às malversões cometidas em terreno português…

Em contrapartida, as autoridades policiais e judiciais portuguesas continuam a negar-se a usar as delações de Rui Pinto para processar os corruptos denunciados com o pretexto de que ele teria usado essas informações a fim de chantagear em seu proveito os corruptos denunciados com dados concretos! Por outras palavras, as denúncias contra a Engenheira foram aceites como boas pelas autoridades angolanas e, aparentemente, pelas próprias autoridades portuguesas mas, quanto às informações fornecidas por Rui Pinto sobre a corrupção no mundo do futebol nacional, já não se passa o mesmo. E segundo parece, também foi lançado um manto de absoluto silêncio sobre os indivíduos e entidades portuguesas implicados pelas «Fugas de Luanda», a começar pelo Eurobic e pelos seus desleixados reguladores do Banco de Portugal e da CMVM.

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Tão importante como expor as entidades privadas e públicas nacionais que deram cobertura passiva ou activa às manobras financeiras da Engenheira ao longo de anos, em manifesto detrimento não só dos interesses de Angola bem como de interesses privados e públicos em Portugal, é o papel da comunicação social, a qual aparenta porém estar mais interessada, neste momento, na epidemia que vem da China mas também de episódios caricatos como são as desventuras da única deputada do último partido a eleger alguém nas últimas eleições…

Com excepção do «Expresso», que participa na rede internacional de informação sobre as descobertas dos «whisteblowers», poucos são os órgãos mediáticos portugueses que têm respondido ao apelo da UE no sentido de os proteger. Com efeito, não haveria melhor maneira de proteger os direitos de Rui Pinto do que difundir as suas actuais denúncias, sejam elas sobre a engenheira e os seus cúmplices ou sobre as falcatruas do mundo do futebol.

A virtual conspiração do silêncio que reina nos meios governamentais, partidários e judiciários é manifesta. Portugal deve ser o país do mundo onde o «segredo de justiça» é mais invocado… mas só quando convém; quando não convém… é o menos cumprido! Entretanto, a televisão e a imprensa fugiram assim que puderam do assunto, ao mesmo tempo que jornais diários com reputação de qualidade conseguem passar dias sucessivos sem qualquer informação sobre o caso de Luanda, excepto eventuais colunas de opinião pró ou contra o «assobiador»… Fala-se com razão de Rui Pinto mas nada se diz da Engenheira, assim como a polícia nunca mais disse nada sobre a anunciada autópsia do director do Eurobic que apareceu enforcado logo no início das revelações públicas das actuais autoridades angolanas: quanto tempo levará a polícia a divulgar a autópsia?

Se os crimes cometidos e as perdas financeiras que a economia portuguesa terá já são em boa medida conhecidos, em contrapartida as responsabilidades de Isabel dos Santos e de todos aqueles que participaram ou facilitaram as suas manobras ilegais estão por investigar, pelo menos em Portugal, e não são assumidas e divulgadas atempadamente por quem tinha obrigação de o fazer. Mas já sabemos pelo processo Sócrates que nada de definitivo acontecerá nem se saberá enquanto o PS estiver no poder e mesmo depois!