Foi notícia do Expresso, na última semana, os números impressionantes de crianças com acesso precoce a conteúdos pornográficos, em Portugal. 40% dos rapazes e 26% das raparigas entre os 9 e os 16 anos já terão sido expostos a pornografia. São, aliás, frequentes os relatos de jovens adolescentes, mal têm um telemóvel com acesso a dados e o algoritmo os referencia pelos conteúdos que pesquisam, que passam a ter, de surpresa, conteúdos pornográficos nos seus dispositivos, sem nunca os terem pesquisado. Enquanto isso, a Meta — proprietária do Facebook, Instagram e WhatsApp — está a enfrentar uma acção judicial nos Estados Unidos, desencadeada por 33 estados americanos, por ter desenhado e lançado funcionalidades manipulatórias que aumentam o tempo de exposição a conteúdos que viciam as crianças e os adolescentes em prejuízo da sua saúde mental.

É incompreensível que os produtores de conteúdos não sejam nem responsabilizados pelos danos que provocam, nem sejam forçados a criar barreiras (com já vai acontecendo nalguns países) para que a dependência digital dos nossos filhos não se torne quase incontrolável. Nem se entende que a exposição a conteúdos — quer sexuais, quer de violência, quer com opiniões de facção — que representam danos potencialmete irreparáveis para o seu desenvolvimento, sejam, ao contrário do cinema, “para todos”. Nem se pode aceitar que todas estas omissões, que comprometem a sua relação com os outros aos mais diversos níveis, não mereçam sequer atenção das autoridades sanitárias como se nada disso comprometesse a saúde mental das crianças. Se, ainda que muito timidamente, as escolas não restringem totalmente o uso de telemóveis em contexto escolar; se não deixam de usar as redes sociais para comunicar com os seus alunos; se não são tomadas medidas contra o uso massivo do digital por crianças e adolescentes na restauração; se não vão sendo definidas zonas livres do digital; nem se assume a dependência digital como uma adição que apanha as crianças e as agarra a uma “droga” legal que tem custos incalculáveis, pergunta-se onde estão as autoridades, por mais que comemorem o dia da criança e falem, amiúde, de saúde mental?!…

É claro que também os pais não podem — por distracção ou por negligência — continuar a ignorar os riscos da exposição precoce dos seus filhos a redes sociais. A idade mínima recomendável para criar uma conta de Facebook, Whatsapp e Instagram são os 13 anos. Mas, com a complacência dos pais, muitas crianças com menos de 10 anos já têm acesso a alguma destas redes sociais. 9 em cada 10 crianças usam redes sociais desde os 13. E quase 90% reconhece estar dependente de redes sociais! À margem destes números, os engenheiros da Google chamam a atenção para que cinco horas a olhar para écrans alimenta um dependência digital dos nossos filhos que os vai tornando menos inteligentes, mais reactivos, mais impacientes e menos atentos. Se um peixinho vermelho tem o tempo de atenção máximo fixado em 8 segundos, o das gerações que vivem agarradas a um écran será, segundo eles, de 9 segundos. Após os quais o seu cérebro “desliga”. Enquanto isso, regra geral, 30% dos utilizadores de videos ao fim de 3 segundos os abandonam.

Se os alunos portugueses passam na escola 1000 horas por ano, repartido por 5 horas diárias e por 200 dias de aulas; e se muitíssimas crianças estão cinco horas por dia ligadas ao digital, ao multiplicarmos 5 horas por 365 dias e por 12 anos, entre os 6 e os 18 anos, chegamos a um número assustador. Durante esse período as crianças “estão” têm mais de 22 anos lectivos sobre o tempo de escola. Que, para além de toda a informação que lhes trazem, introduz ruído, inúmeros episódios manipulatórios e muitas sequelas graves no seu desenvolvimento. Se, depois de tantos alertas, continuarmos a evitar falar de dependência digital, talvez estejamos a incorrer em comportamentos de negligência grave em relação a todas as crianças. E os pais e as escolas não podem, por respeito a elas, desvincular-se disso.

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