“Não estamos aqui só para bater palmas”. O desabafo (relatado no Expresso) é de Maria Antónia de Almeida Santos, actual porta-voz do PS, perante a forma como o Governo desconsidera o grupo parlamentar dos socialistas e o exclui de negociações – nomeadamente da última sobre as leis laborais. “Procedi sempre da mesma forma” em relação à direcção do partido, justifica-se Fernando Negrão (líder parlamentar do PSD), após um raspanete severo e público de Rui Rio, que censurou o sentido de voto dos deputados do PSD quanto aos impostos sobre os combustíveis. Eis, em duas situações, o retrato do funcionamento dos grupos parlamentares dos maiores partidos da democracia portuguesa: agrilhoados à vontade dos seus líderes, sem autonomia e reduzidos à absoluta irrelevância.

O que se passa no PSD é caricato e tem significado político: Rui Rio não se entende com o seu grupo parlamentar, não consegue impor as suas regras dentro da sua própria casa e não convence ninguém de que teria mais sucesso a fazê-lo num governo. Pode-se até discutir se tem ou não razão no mais recente episódio dos impostos sobre os combustíveis – por um lado, Rio assinala bem os riscos quanto aos equilíbrios financeiros; por outro lado, ignora a importância de dar um sinal político contra a actual carga fiscal numa votação na generalidade (e, portanto, ainda longe de ser definitiva e com muitas oportunidades para alterações ao texto da lei). Mas o ponto relevante que sobressai disto tudo é a rotina de condicionamentos que Rui Rio instaurou sobre os deputados – a cada intervenção mais veemente e a cada votação mais mediática, Rui Rio parece ter correcções e reparos, desautorizando sistematicamente aqueles que ele próprio escolheu para falar em nome do partido. Tradução: com Rui Rio, os deputados do PSD já perceberam que o que se espera deles é que não pensem, que repitam o que lhes é dito e que votem como lhes for mandado.

A leitura disto ultrapassa a corriqueira luta de poder interna ou uma espécie de oposição dos deputados ao estilo de oposição de Rui Rio. É que, afinal, o que se passa no PSD não é diferente do que se passa no PS (como comprova o desagrado da porta-voz socialista acima citada), que é a tentação dos líderes partidários em usar e abusar dos deputados, exigindo deles que sigam à risca as suas indicações. O que efectivamente distingue Rui Rio e António Costa é apenas a eficácia. O primeiro é incompetente: comunica mal com os seus e, mesmo quando disponíveis para isso, os deputados do PSD não acertam no sentido dos votos de acordo com as opiniões do líder – porque este recusa estabelecer um diálogo aberto com eles. O segundo é competente: António Costa impõe-se de tal modo sobre a sua bancada parlamentar que os deputados do PS estão saturados de serem tratados como crianças. Ou seja, descontando a ineficácia de um e a eficácia do outro, Rui Rio e António Costa coincidem no pensamento-base: os deputados devem calar opiniões próprias e obedecer à liderança, seguindo as orientações de quem mandar.

É escusado sublinhar a pobreza desta concepção de democracia republicana – na prática, reduzem-se deputados eleitos a gado comandado por um pastor escolhido interpares. Dir-me-ão que, no fundamental, é lá com os partidos a forma como eles se decidem organizar. Certo. Mas, no entanto, é muito connosco rejeitar a legitimidade de tais líderes partidários quando vierem lamentar o distanciamento dos cidadãos face à política e prometer revisões dos sistemas eleitorais. Há um limite a partir do qual a paciência para se ser gozado se esgota: quem lidera como um déspota (competente ou incompetente) não pode dar lições de democracia. Sobre António Costa, não havia dúvidas. A novidade é Rui Rio: prometeu banhos de ética, mas afinal a única diferença em relação aos outros é que, querendo mandar, não sabe como.

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