Criada em 2010 pela Lei nº12-A/2010, de 16 de janeiro, a derrama estadual, que está ainda hoje presente na nossa legislação fiscal – vide artigo 87A do Código do IRC –, foi “ vendida” aos investidores e ao país como sendo um tributo excecional e temporário, tendo por base o contexto de grande dificuldade económica que Portugal à época apresentava. A Derrama Estadual é um tributo que se aplica para além da taxa de IRC. De acordo com a norma fiscal ainda em vigor, este tributo tem a sua aplicação às empresas situadas em território nacional que exerçam a título principal uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, quando os seus lucros são superiores a 1.500.000€.
Contém uma tabela à semelhança do IMT, que indica a percentagem a aplicar conforme o lucro tributável apurado. Ou seja, de lucro apurado (tributável) de mais de 1.500.000€ até 7.500.000€ aplicar-se-á a taxa de 3%, de lucro superior a 7.500.000€ até 35.000.000€ a taxa a aplicar é de 5% e superior a 35.000.000€ a taxa a aplicar é de 9%.
A crescente evolução das taxas de derrama estadual conforme o lucro tributável permitem assim, e creio ser entendimento geral de quem estuda e trabalha estas matérias, que o IRC se torne semelhante ao IRS.
O IRC não é um imposto progressivo tal como é o IRS que cresce em função do rendimento de cada sujeito e a própria Constituição não entende que se aplique qualquer progressividade no imposto a aplicar a sujeitos passivos colectivos, o que abre a porta a uma eventual inconstitucionalidade da norma.
A derrama estadual, que acresce à taxa normal de IRC (21%) e diga-se ainda à derrama municipal, faz com o imposto sobre as pessoas colectivas dispare até aos 31,5%, sendo neste momento o segundo mais elevado entre 38 países do Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), e recorde-se ainda que o nosso sistema fiscal é o quinto menos competitivo dentro do mesmo quadro de países.
O tema da derrama estadual é constantemente abordado e contestado em todas as apresentações da proposta de Lei do Orçamento, e assim será até à sua abolição total.
Como sempre, e como acontece com todos os impostos e/ou tributos que são criados pelo legislador com caráter temporário e excecional, estes vão permanecendo no nosso sistema jurídico-tributário ad aeternum, criando assim graves constrangimentos às maiores empresas e graves prejuízos à criação de riqueza nacional.
Nesta proposta de OE2024, e sobre esta matéria específica, continua todo na mesma e ainda não foi dado qualquer sinal positivo ao investimento privado, mantendo desta forma Portugal um país com pouca atração fiscal para as grandes empresas.
Numa altura que é de facto premente crescer economicamente e reter talento em Portugal, esta proposta de Orçamento não prevê nem a descida das taxas respeitantes à Derrama Estadual nem a sua eliminação.
A excecionalidade da norma que cria a Derrama Estadual já dura há 13 anos, com perda de terreno na competitividade. 2024 será mais um ano perdido para libertar as empresas deste “segundo IRC”.
A eliminação do artigo 87 A do CIRC (Código do Imposto sobre as Pessoas Colectivas) criaria uma nova abordagem internacional sobre a economia do país, libertando-a das amarras ideológicas que fazem pensar sempre duas vezes, ou três, aqueles que querem de facto investir no nosso território.
A verdadeira criação de riqueza está nas mãos daqueles que detém capital financeiro para o fazer e a possibilidade de adquirir capital alheio em boas condições, mas para que tal aconteça cabe à política fiscal dar sinais de que isso valerá a pena e mostrar de forma clara que o estado não atrapalha o sucesso do país, não criando empecilhos como este da Derrama Estadual – nascido a título excepcional e temporário – que entrou já na adolescência e em em breve fará 14 anos de idade.
O que poderíamos ter sem a aplicação da Derrama Estadual nunca saberemos, porém será fácil perceber o que não temos.