As eleições já lá vão e a poeira já começou a assentar. Só eu não estou ainda em mim. Então não é que um regime democrático velho de mais de 40 anos ainda se comporta como jovem púbere? Então a tão gabada e celebrada maturidade da nossa democracia manifesta-se assim?
Estou pasmado! Surpreendeu-me uma noite eleitoral em que todos perderam mas todos cantaram vitória, na melhor tradição luso-comunista de muito pensar, pouco ver e tudo escamotear.
Vamos então por partes.
PS: perdeu porque ficou aquém da meta, é simples. Cavalgou uma conjuntura internacional extremamente favorável, beneficiou do efeito de inércia das medidas que vinham de trás sobre o emprego e sobre o investimento, apanhou a explosão do turismo e, ainda assim, fica-se pelos 106 deputados. A somar a isso, António Costa beneficiou da ausência de oposição quase total.
Falhar a maioria absoluta, que insistentemente fingiu não desejar durante meses, é neste contexto uma derrota objectiva e clamorosa, que deixa António Costa numa situação mais difícil e mais desconfortável do que a anterior, que o obrigará a tentar desesperadamente consertar a geringonça ou, com os “amigos” do Bloco, do PCP, do PAN ou do Livre, a engenhar artefactos móveis aqui ou ali, em modo vamos-indo-e-vamos-vendo.
Se os quatro últimos anos foram de permanente navegação à vista, sem estratégia, sem rumo e de letargia e imobilismo constantes, os próximos acrescentarão a isso um nevoeiro de curta visibilidade e errância que não agradará sequer aos clientes e votantes do grande partido dos acomodados e encostados de Portugal.
PSD: perdeu porque perdeu votos e perdeu mandatos, numa noite em que conseguiu construir o segundo grupo parlamentar mais pequeno de que há memória (77 deputados), seguido de perto pelo pequeno tapete laranja estendido por Santana Lopes a Sócrates em 2005 (75 deputados). Esta derrota histórica (com menos de 20% em 73 concelhos) só não foi uma hecatombe para Rui Rio porque, na cabeça de Rui Rio, o adversário a derrotar não é o PS nem a maioria de esquerda, mas os jornalistas e as sondagens. Ora, se o resultado foi melhor do que as sondagens anteviam e do que os jornalistas previam (de forma aliás escandalosa no caso da SIC/Expresso), então não foi muito mau. Se, na cabeça de Rui Rio, se somar a isto a oposição interna do partido e o pior factor de todos – os eleitores, esses malandros -, então estamos praticamente perante uma vitória (ou um “resultado positivo”, nas palavras do próprio). Isto, veja-se bem, dá força anímica a Rio para continuar num cenário em que o PSD continua irrelevante para a governação futura e está colocado fora de qualquer equação orçamental. Veremos se, do afiar de facas em curso, resultará algum sangue novo com algumas ideias e um projecto minimamente credível.
Bloco: perdeu porque não conseguiu capitalizar os últimos anos em votos nem em élan – manteve o grupo parlamentar mas deixou fugir 50.000 eleitores. Os festejos de Catarina pareceram-me surreais, porque me escapa a razão da celebração de um partido que apostou as fichas todas na sede de poder a qualquer custo e acaba com os mesmos mandatos e reduzido a menos de 10%, mantendo-se a sombra do PC, que ainda conta para alguma coisa na matemática da táctica, e perdendo definitivamente o brilho da irreverência para o Livre.
Festejaria, porventura, o alívio de ter fintado a morte infligida por um deus trotskysta castigador, ou apenas a possibilidade de voltar a sentar-se à mesa do poder?
CDU: perdeu mais de 100.000 votos e 5 deputados, pelo que a derrota é estrondosa e demasiado evidente, até para o spin comunista. A perda de influência é inexorável e continuará a sê-lo, até chegarmos ao estatuto de uma mera curiosidade histórica, sustentada por alguns saudosistas e movida a combustível sindical. Noto a perda da já saudosa Heloísa Apolónia, cujo tom de voz sempre animava a modorra quotidiana e despertava um sorriso de quando em vez.
No próximo acto eleitoral poderemos já ter o PCP a concorrer sem coligação e sem fingir que é maior do que ele próprio. Aliás, o martelo que acompanha a foice, em destaque no boletim de voto, poderá até explicitar melhor (ergonomicamente melhor) o estatuto de partido-muleta, agora que as pétalas do esbranquiçado girassol do PEV foram arrancadas, uma a uma, pelo PAN.
CDS: perdeu em toda a linha, mas não fingiu nem clamou por vitória. Assunção saiu de cena quando devia e teve a coragem de tirar consequências claras e imediatas dos resultados – uma lição de democracia que muitos deveriam aprender.
Santana Lopes: o histórico dinossauro foi praticamente extinto mas parece recusar-se a perceber que o seu tempo passou. É difícil entender isso numa pessoa com a experiência do ex-Primeiro-Ministro, que agora conseguiu obter nas urnas tantos votos como o Tino de Rans, que tem um partido chamado RIR. Isso deveria fazê-lo pensar e sorrir.
Houve também vencedores na noite eleitoral, é verdade, que são o PAN (que arrancou mais 92.000 votos do que em 2015) e os partidos que agora chegaram à Assembleia da República pela primeira vez.
Deposito algum optimismo na “oposição ideológica” que o Iniciativa Liberal prometeu. Uma tal oposição seria uma verdadeira luz de esperança ao fundo do túnel socialista cravejado de impostos. Faço votos para que cumpram a promessa!