O assunto terá caído no esquecimento, poucos se lembrarão dele, mas houve um tempo, mais precisamente o biénio de 2017-18, em que um candidato à presidência da Câmara Municipal de Lisboa, e, depois, seu efectivo presidente, teve como um dos seus objectivos prioritários a criação um Museu das Descobertas. Falo, claro está, de Fernando Medina que enunciou explicitamente, e por estas palavras, o objectivo de pôr de pé uma “estrutura polinucleada na cidade (de Lisboa) que inclua alguns espaços/museus já existentes e outros a criar de novo, e que promova a reflexão sobre aquele período histórico (dos Descobrimentos) nas suas múltiplas abordagens, de natureza económica, científica, cultural, nos seus aspectos mais e menos positivos, incluindo um núcleo dedicado à temática da escravatura”.

Contra este projecto levantaram-se, em 2018, sob a forma de carta aberta publicada no Expresso, as vozes de 114 académicos, quase todos de esquerda e vários dos quais estrangeiros, e, em artigo de opinião no Público, as de uma centena de afrodescendentes. Essa recolha de 200 assinaturas — ou nem isso pois algumas pessoas assinaram ambos os textos — foi o suficiente para Fernando Medina se encolher e deitar às urtigas o seu projecto que, recordemo-lo, era “prioritário”. É para mim incompreensível como pessoas que têm — ou diz-se que têm — altas aspirações políticas se retraem perante pequenos obstáculos no caminho e minudências políticas como estas. Que aconteceria se um dia estivessem à frente de um governo e tivessem de enfrentar uma contestação a sério? Mas deixemos essa pergunta sem resposta, porque isso são contas de outro rosário, e voltemos ao Museu das Descobertas.

Defendi em devido tempo a criação desse museu, fi-lo, aliás, por diversas vezes, e continuo a fazê-lo e a considerar que deverá designar-se por Museu dos Descobrimentos. Como é óbvio, não subescrevi a já referida carta aberta dos 114 académicos que o contestavam, ainda que tivesse sido convidado a fazê-lo. A razão que me leva a, neste momento, recordar tudo isso relaciona-se com uma recente conferência na qual o historiador Santiago Macias, actual director do Panteão Nacional e que foi a pessoa indigitada para dirigir, na sua fase inicial, o projectado Museu das Descobertas, apontou as vicissitudes desse projecto e deixou várias sugestões a seu respeito. Santiago Macias também lembrou que, ainda antes do abortado projecto de Fernando Medina, houve, em 2015, a ideia de fazer um centro interpretativo sobre os Descobrimentos que funcionaria numa réplica (a construir) de um navio quinhentista e que poderia ser visitado na Ribeira das Naus. Logo nessa altura se levantaram várias objecções mais ou menos ociosas — uma vocação ou deformação muito portuguesa — e essa excelente ideia nunca passou do papel.

Isto quer dizer — e é o que mais importa sublinhar — que já lá vão dez anos sucessivos em que pessoas de boa vontade andam a tentar, sem sucesso, impulsionar uma estrutura que evoque, mostre e explique o que foram os Descobrimentos dos portugueses nos séculos XV e XVI. Como disse Santiago Macias na sua recente conferência, o projecto do Museu das Descobertas continua a fazer todo o sentido, independentemente da vereação que esteja à frente da Câmara Municipal de Lisboa, e mesmo que não disponha de uma colecção permanente, mas tão só colecções itinerantes que permitam ir mostrando diversos objectos museológicos em combinação/associação com outros museus. Não seria um museu no sentido clássico da palavra, mas um centro de interpretação alargado e aberto a visitantes nacionais e estrangeiros e, sobretudo, às escolas.

Ou seja, trata-se de um projecto de interesse não apenas da cidade, mas verdadeiramente nacional, que se prende com a construção, preservação e transmissão da memória que Portugal deve ter de importantes momentos da sua História e, num plano mais amplo, do passado de toda a humanidade. Que eu saiba — e corrijam-me se estiver errado — o actual presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, nunca se pronunciou sobre isto. Não desejará fazê-lo? Terá vontade política e sentir-se-á capaz de assumir este encargo e esta meta nos termos, acertados ou adequados, em que Fernando Medina a pensou, isto é, pôr de pé um museu que nos traga os Descobrimentos nos “seus aspectos mais e menos positivos, incluindo um núcleo dedicado à temática da escravatura”? Não quererá constituir uma equipa que integre pessoas que dominem o tema e que tenha a dirigi-la alguém capaz de decidir e de avançar, sem receio dos escolhos que certamente surgirão, para repor este projecto em marcha? Na expressão “repor este projecto em marcha” incluo pensar como concretizá-lo, com que programa, com que custos ou financiamentos e em que localização ou localizações. Já várias se sugeriram, incluindo o edifício do antigo Banco Nacional Ultramarino, na Rua Augusta, onde agora está o MUDE (Museu do Design). Eu, seguindo a opinião do meu colega Santiago Macias, preferiria o Palácio dos Condes da Calheta, no topo do Jardim Botânico Tropical, que teria, entre outras vantagens, a de ser relativamente próximo de outros núcleos ou monumentos relacionados com a época em causa, desde os Jerónimos à Torre de Belém ou ao Padrão dos Descobrimentos. Não quererá Carlos Moedas salvar e reanimar um projecto aparentemente desaparecido em combate?

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