A Márcia ainda não tem 30 anos e até há bem pouco tempo era ela quem estava à frente da área de educação especial do Ministério da Educação do Perú. Tirou o curso de Direito, mas depressa percebeu que não era esse o seu destino. Ainda não tinha acabado o curso quando decidiu que queria dedicar-se à educação e que a única forma de o fazer era começar pelo princípio. Pela sala de aula. Durante dois anos, deu aulas numa escola desfavorecida nos arredores da capital, Lima. Diz que aprendeu a valorizar a profissão como nunca antes o tinha feito. E percebeu que, através do microssistema que é cada escola, é possível compreender e melhorar o acesso, a equidade e a qualidade da educação dos 8 milhões de estudantes peruanos.

A língua é a mesma, mas os países estão separados por um oceano. Quim é espanhol e tirou o curso de Matemática numa das mais prestigiadas universidades europeias. Tal como Márcia, Quim decidiu dedicar a sua primeira experiência profissional à educação. Ensinou numa escola em Badalona e, durante dois anos, ficou a perceber que ensinar é uma das profissões mais difíceis e emocionalmente intensas. Ainda assim, depois dos dois anos, e com propostas de trabalho de várias multinacionais daquelas que não se recusam, decidiu continuar a trabalhar em educação. A sua experiência na sala-de-aula permitiu-lhe criar uma ferramenta que ajuda as crianças a aprenderem a ritmos diferentes ainda que na mesma sala. A aparente simplicidade desta ideia levou-o a Silicon Valley, onde tem vindo a desenvolver o produto que agora está em 25% das escolas norte-americanas e em mais de 150 países.

Emilyian nunca se cruzou com Quim, mas em comum têm o facto de terem feito parte da lista dos mais promissores jovens na área da educação da revista Forbes – 30 Under 30. Nasceu e cresceu numa das mais pobres regiões da União Europeia, no noroeste da Bulgária. Formou-se em Matemática e tirou um mestrado em Informática em Sofia e, tal como Márcia e Quim, decidiu dar aulas numa escola da capital durante dois anos. A experiência de dar aulas transformou-o. Decidiu regressar à sua região natal e lançar uma organização que oferece cursos de programação informática gratuitos, formando jovens que de outra forma dificilmente escapariam ao desemprego.

Márcia, Quim e Emilyian são apenas três exemplos de jovens que decidiram dedicar os primeiros dois anos das suas vidas profissionais ao ensino. Fazem parte de organizações locais – Enseña Peru, Empieza por Educar e Teach For Bulgaria – que têm como missão trazer jovens promissores para a educação. Em comum têm o facto de nunca terem ambicionado dar aulas. Em comum têm ainda o facto de terem mudado o rumo das suas vidas depois de darem aulas. Têm a motivação de criar um impacto sistémico em quem provavelmente não teria essa oportunidade. Têm o impacto que causaram nos seus estudantes e nas suas comunidades, trabalhando em estreita colaboração com outros agentes para melhorar o sistema educativo. Mais. Têm um respeito ainda maior pela profissão depois de se terem sentado na cadeira do professor. A grande maioria, aliás, decide continuar a ensinar depois do programa. Em Israel, onde a organização Teach First Israel existe há mais de 5 anos, 87% dos professores mantêm-se na profissão para além dos 2 anos. Estas organizações fazem parte de uma rede internacional presente em 48 países, a Teach For All, que chega a mais de 10 milhões de estudantes de comunidades desfavorecidas através de mais de 80 mil jovens licenciados que se candidatam aos programas nos seus países.

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Ainda não há nenhuma Márcia, nenhum Quim ou nenhum Emilyian no nosso país.  Mas há espaço para modelos como este que arrancou há quase 30 anos nos Estados Unidos.

Na semana em que a OCDE veio revelar que os nossos professores são dos mais velhos de todos os países da organização – só 1% dos professores portugueses tem menos de 30 anos, quando a média da OCDE é de 11% –, torna-se urgente a criação de condições para atrair e desenvolver mais e melhores jovens profissionais. A criação de caminhos alternativos para o acesso ao ensino irá, com certeza, criar apetência pela profissão e gerar uma educação mais inclusiva. Este é um debate que deve arrancar o quanto antes e que deve ser informado pela experiência e perspetiva de todos – professores, alunos, diretores, mas também famílias, comunidades, sindicatos e governo.

Não se trata de inventar a roda. Ela já está oleada. O impacto está medido e à disposição de todos. Trata-se de atacar pela raiz e em conjunto o problema de uma profissão envelhecida e com isso melhorar o futuro não só da geração que esta semana regressa às aulas, mas de todas as outras que lhe seguirão. Enquanto o nosso sistema se mantiver bloqueado, o talento de uns e o futuro de outros vão, também eles, continuar congelados.

Ex-diretor global de posicionamento da ONG internacional Teach for All
‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.