A Lei n.º 143/2015, de 08 de Setembro referente ao regime jurídico do processo de adoção, refere-se no seu Artigo 1989.º à: “Irrevogabilidade da adoção. A adoção não é revogável”). Acrescenta-se ainda que como referido na página sobre adoção do site do Ministério Público que: “Com a sentença de adoção, a criança ou adolescente adotado: adquire, para todos os efeitos legais, a condição de filho do(s) adotante(s), passando a ter direitos e deveres idênticos aos que decorreriam de uma relação de filiação natural, passando a integrar-se na família daquele(s)” (cit.).

Contudo, em Portugal, todos os anos, há um elevado número de crianças e adolescentes adotadas que são devolvidos às instituições (casas de acolhimento).

O Conselho Nacional para a Adoção (CNA) caracteriza as devoluções de crianças e adolescentes às instituições de acolhimento como interrupções/disrupções do processo de adoção: “Chama-se disrupção à ocorrência de uma interrupção no seio de uma família em construção e que pode acontecer em várias fases” (cit. Relatório CNA, 2023, p.44).

As devoluções de crianças e adolescentes adotados tanto podem acontecer no período de transição da casa de acolhimento (onde a criança ou adolescente está institucionalizada) para a família adotiva, como podem acontecer durante o período de pré-adoção (quando a criança já está a viver na família adotiva, mas a adoção ainda não foi decretada). Aparentemente, estas devoluções nada têm a ver com a tipologia da família (casal ou singular) ou com a idade da criança ou adolescente.

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Seja em que idade for, a sua devolução é sempre sentida pela criança ou adolescente como um novo abandono. O impacto de uma adoção interrompida em que se retorna ao acolhimento residencial é monstruoso, por representar um duplo abandono. Estas crianças e adolescente, já sofreram um primeiro abandono quando retirados à família biológica, depois, normalmente, estão demasiado tempo acolhidas em instituições, e afinal, depois de entregues a uma nova família, vivenciam um novo abandono. Ao serem abandonadas pela família adotiva, desenvolvem um enorme sentimento de culpa, de rejeição, frustração, desconfiança e insegurança, sentem um enorme vazio, e uma profunda tristeza, sentem que “ninguém as quer”.

De acordo com o Relatório Anual de Atividades de 2023 do CNA, nesse ano, foram devolvidas sete crianças e um adolescente adotadas. Três rapazes e cinco raparigas, sendo três com idades compreendidas entre os 2 e os 6 anos e cinco com idades compreendidas entre os 7 e os 15 anos, três durante o período de transição e cinco em pré-adoção.

No Relatório de 2022, o CNA refere que, quanto ao número de crianças e jovens “devolvidas”, sucederam: “14 interrupções ocorridas durante o ano de 2022 (4 durante o período de transição e 10 em pré adoção) (…) Regista-se um aumento relativamente ao ano de 2021 (9 interrupções – Relatório CNA 2021) o que contraria a tendência decrescente desde 2018” (cit., p.43). Segundo os dados do CNA, o número de crianças e adolescentes que estavam em processo de adoção e que foram devolvidas em anos anteriores, foram os seguintes: 14 em 2028; 20 em 2017; e em 2016 foram devolvidas 19 crianças.

Ainda segundo o Relatório do CNA de 2022, as razões das famílias adotantes para a devolução de crianças e adolescentes foram: “Falta de empatia para com a criança e para com a dificuldade que esta apresenta em expressar as emoções;  Expectativas idealizadas relativamente à gratificação afetiva num curto espaço de tempo; Dificuldade/incapacidade de leitura dos sinais que a criança apresenta; Estratégias educativas rígidas, falta de flexibilidade, tendência para rotular as crianças quando estas apresentam comportamentos mais desafiantes (pequenos furtos, mentiras, comportamentos sexualizados, agressividade), dificuldade em integrar a história de vida da criança sem fazer juízos de valor e/ou os associar a comportamentos/características da sua família biológica; não reconhecimento de capacidade de mudança na criança, desistindo precocemente de um processo que terá de ser longo para que esta se sinta confiante e segura na nova família; tendência a valorizar e a focar-se nas dificuldades e nos aspetos negativos; e pouca abertura às orientações e intervenção técnicas” (cit., p.45).

No longo período de um processo de adoção são recolhidos dados das crianças e dos adolescentes, nomeadamente, a idade, o estado de saúde, o género, a etnia, entre muitos outros, bem como dados dos candidatos da família adotiva, nomeadamente, a idade, o perfil da criança ou do adolescente que querem adotar, para que depois seja possível realizar o “matching” (designação técnica que se refere à análise da compatibilidade entre os dados recolhidos de ambos os protagonistas), de uma criança ou adolescente com a família adotiva.

Como refere uma das recomendações do Relatório de 2022 do CNA: “A experiência indicia que o desfasamento temporal entre a certificação da idoneidade para adotar e o momento da integração de uma criança, apesar das sucessivas reavaliações, pode ter um impacto negativo no sucesso da adoção, quer ao nível do esmorecimento da motivação, quer no que respeita à capacidade de adaptação das famílias às alterações resultantes da integração de uma criança” (cit., p.60).

Nesse sentido, podemos também considerar que a devolução da criança ou adolescente adotado à instituição de acolhimento residencial também ser devida a um erro técnico, em que o técnico falha no “matching” da família face à criança, correspondendo a um insucesso da avaliação que se fez da família, que, afinal não correspondia ao perfil que se delineou. Além disso, a devolução da criança ou adolescente adotado também pode ter origem no erro de análise e apreciação que o técnico realiza do acompanhamento que vai sendo feito, nomeadamente quando, ao verificar que a criança ou adolescente não está bem e demonstra sinais de grande dificuldade em virtude da família não estar a ser capaz de responder às suas necessidades, e decide não haver condições para continuar o processo de adoção. Outro fator para explicar a devolução da criança ou adolescente adotado, pode ser devido à desadequação da formação dada aos candidatos à adoção.

Os profissionais envolvidos nos processos de adoção interrompidos por devolução das crianças ou adolescentes pelas famílias adotivas, deveriam procurar compreender o que levou ao fracasso desses processos porque, apenas através desta análise será possível desenvolver as práticas e metodologias de intervenção mais ajustadas às necessidades reais de cada caso.

Algumas estratégias para prevenir situações de devolução de crianças e adolescentes adotados podem ser encontradas em textos que aqui já publicámos:

É preciso realizar um acompanhamento de proximidade destas famílias em pré-adoção e após adoção; é preciso apoiar as famílias adotivas na preparação e compreensão para a realidade dos desafios da adoção; e é preciso existirem mais grupos de apoio após a adoção (cf. https://observador.pt/opiniao/a-importancia-dos-grupos-de-apoio-apos-a-adocao/).

É preciso disponibilizar mais apoios especializados e individualizados à famílias; é  preciso reforçar o investimento público para acompanhamento do desenvolvimento de competências parentais; é preciso que todos os serviços e instituições que contactam com crianças e adolescentes adotados e famílias adotantes sejam inclusivas (cf. https://observador.pt/opiniao/criancas-adolescentes-adotados-e-suas-familias-como-sao-acolhidos-pela-escola/);

É preciso que o legislador laboral consiga criar as condições de trabalho adequadas às necessidades que as famílias adotantes encontram no seu dia a dia (cf. https://observador.pt/opiniao/licenca-parental-direitos-dos-pais-e-maes-adotantes/).