O que é a matrix?
Quando Morpheus encontra Neo numa sala, oferece-lhe dois comprimidos: um vermelho, que irá responder à questão essencial e enfrentará a realidade tal como ela é; e um azul, que deixará tudo na mesma, numa vida confortável de hábitos e lugares comuns. Se Neo escolhesse o comprimido azul, não há filme para ninguém. Nem sequelas. Como Neo escolhe o vermelho, o Matrix avança, avança, avança. E até tem direito a duas sequelas.
Na Coreia do Norte, simplesmente não há hipótese de recorrer a essa metáfora, porque não há comprimidos. Nem azuis, nem vermelhos. Ou seja, zero opções. A vida de todos os norte-coreanos é controlada por um ditador. É assim desde sempre. Em 1966, por exemplo, a Coreia do Norte qualifica-se de forma inédita para uma fase final de um Mundial. Em Inglaterra, os jogadores, todos amadores, viram heróis depois de eliminar a Itália na fase de grupos. Nos quartos-de-final, há 3-0 sobre Portugal aos 25 minutos. Vale aos portugueses a força de Eusébio (quatro golos, dois deles de penálti) e a cabeça de José Augusto (5-3).
No regresso ao país, os futebolistas norte-coreanos vêem-se expulsos da sociedade, do dia-a-adia e das suas casas, “encaminhados” para campos de prisioneiros – Park Seung-Jin é um deles, só sobrevive à fome a comer insectos apanhados no ar. Isto não é novidade, está no documentário sobre a equipa de 1966, “The Game of Their Lives”.
Em 2010, 44 anos depois, a matrix norte-coreana volta a dar que falar. Pela negativa, claro. Durante o Mundial, já há momentos q.b. de embaraço – treinos à porta fechada (contra a elementar regra da FIFA), nada de flash interviews e zero fotografias, sem esquecer a escassa informação dos jogos. Com o Brasil (1-2), só há transmissão na íntegra 24 horas depois. Com Portugal (0-7), faz-se história com a primeira transmissão em directo, bruscamente interrompida ao 4-0. Acabou-se o que era doce. Com a Costa do Marfim (0-3), nem directo nem diferido. É ignorado, como se não tivesse existido. Olha, um comprimido vermelho…
Por cima disso, uma humilhação suprema no regresso a casa. Dos 23 jogadores convocados, só dois (Tae-se e Yonghak, de origem japonesa) escapam à tortura psicológica promovida pelo ditador Kim Jong-il, filho de Kim Il-sung, o castrador da selecção em 1966. No Palácio da Cultura, na capital Pyongyang, os já citados 21 jogadores são obrigados a estar sete horas de pé à frente de 400 pessoas que os insultam verbal e gestualmente. O seleccionador Kim Hong Hun livra-se desta reprimenda colectiva mas também é castigado, como jardineiro edil. Em Pyongyang, o Morpheus anda a dormir e dá nisto.