Imaginemos, por momentos, o que faria uma criança com uma máquina de dinheiro ilimitado. A propósito disto, lembro-me sempre de a minha sobrinha, quando ainda era pequena, achar que se podia comprar tudo o que se quisesse, bastando para isso ir levantar dinheiro a qualquer multibanco. A verdade é que, embora os efeitos da criação excessiva de moeda sejam relativamente bem conhecidos, há alguns adultos que, parecendo sofrer de uma síndrome de Peter Pan, continuam a achar que grande parte dos problemas económicos se resolve atirando dinheiro para cima deles. E há, ainda, alguns que parecem considerar que a solução não é atirar dinheiro, mas sim criá-lo sem qualquer limite. Estes costumam trabalhar nos gabinetes ministeriais e em Bancos Centrais.
A propósito do assunto, vale a pena revisitar Milton Friedman, quando este afirmou que “a inflação é sempre e em todo o lado um fenómeno monetário, no sentido em que esta é e pode apenas ser originada por um maior e mais rápido aumento da quantidade de dinheiro face ao aumento da produção”. Para o economista, os fenómenos inflacionistas eram sempre precedidos de aumentos da massa monetária ou da taxa de crescimento desta.
Pensemos agora no que aconteceu desde 2008. Após a crise do subprime nos Estados Unidos e no rescaldo da crise das dívidas soberanas na Europa, a política dos Bancos Centrais, um pouco por todo o mundo, consistiu numa política monetária expansionista, baseada em taxas de juro próximas de zero (ou mesmo zero) e grandes programas de cedência de liquidez. Com efeito, dados de finais de 2021 revelam que a Reserva Federal Americana, o Banco Central Europeu, o Banco do Japão e o Banco de Inglaterra tenham injetado na economia mundial cerca de 25 biliões de dólares desde 2008, sendo 9 biliões injetados durante a pandemia COVID 19. Ora, é neste último período que tivemos a machadada final para a pressão inflacionista: supressão da atividade económica enquanto se inundavam as economias com dinheiro para as pessoas ficarem em casa.
Recuemos um pouco na história, mais precisamente ao século XVI, quando as expedições espanholas ao Peru, lideradas por Francisco Pizarro, abriram caminho à descoberta de grandes reservas de prata e ouro. Nessa altura, o dinheiro baseava-se essencialmente em moedas destes metais preciosos. Se tivermos em conta que, entre 1556 e 1783, a exploração destes materiais rendeu cerca de 40 mil toneladas de prata pura, é fácil percebermos que, na prática, isso redundou num brutal aumento da massa monetária em circulação nos países europeus. Esta foi também uma época com grandes alterações a nível demográfico, aumento das trocas comerciais, bem como alterações tecnológicas, principalmente na agricultura.
Embora a taxa de inflação anual estimada para essa altura tenha sido de aproximadamente 1,5%, o que é considerado residual nos dias de hoje, nessa época este aumento teve um efeito devastador na economia de alguns países. No final do século XVI, os preços, em média, tinham mais do que quadriplicado relativamente ao início do século. Se, por um lado, os agentes relacionados com a exploração destas riquezas, como os comerciantes e nobres envolvidos no comércio, acabaram por ver a sua riqueza aumentar, a desvalorização do dinheiro, para aqueles que tinham rendimentos fixos, traduziu-se num empobrecimento, tendo afetado drasticamente o seu poder de compra. Para além do efeito económico, tal acabou por levar a convulsões sociais, provocadas por um descontentamento generalizado das classes mais baixas.
Espanha acabaria por incumprir com as suas obrigações enquanto Estado por várias vezes, durante estes séculos, fruto de uma má gestão das riquezas acumuladas, aliada aos custos relacionados com a manutenção de um vasto império e com os vários conflitos militares em que se envolveu.
Os conflitos militares são, aliás, momentos em que é comum assistirmos a pressões inflacionistas, por via da necessidade de financiamento de equipamentos e recursos humanos, desviando recursos dos setores produtivos para uma atividade não produtiva e altamente destrutiva. Um episódio que reflete bem do que é que falamos ocorreu durante a guerra civil americana.
É relativamente consensual que a queda de Vicksburg, em julho de 1863, combinada com a derrota do General Robert E. Lee na batalha de Gettysburg alguns dias antes, foram marcos determinantes no desfecho da guerra civil americana. Contudo, talvez seja necessário recuarmos um ano para conhecermos outro fenómeno que ajuda, em parte, a perceber o desfecho do conflito entre a União e a Confederação. No início de abril de 1862, as principais defesas do rio Mississipi baseavam-se no Forte Jackson e no Forte St. Philip. A rendição destes, imposta pelo General David Farragut, permitiu a tomada e controle de Nova Orleães. O porto de Nova Orleães assumia um papel preponderante nas finanças da Confederação, pois era através deste que grandes quantidades de algodão se escoavam para uma série de importantes portos internacionais.
Na altura, o financiamento da guerra era sustentado principalmente através de obrigações colocadas junto da própria população. Quando as necessidades de liquidez começaram a aumentar, a confederação tentou colocar novos montantes nos mercados europeus, tendo havido pouca aceitação por parte destes. Para ultrapassar a questão, foram desenhadas obrigações colateralizadas (garantidas) por algodão, o que quer dizer que, no limite, estes títulos poderiam ser trocados por esta matéria-prima. No entanto, com a tomada de Nova Orleães, para que a troca se pudesse realizar, um investidor teria de atravessar o bloqueio naval da União. Isto provocou uma queda no valor destes títulos, o que levou a que a Confederação tivesse a necessidade de começar a imprimir moeda para manter a sua capacidade de financiamento. Este aumento da massa monetária, mais uma vez, levou a que a inflação no Sul atingisse uns 4000%, enquanto que no Norte atingiu “apenas” 60%. Antes do final do conflito, a economia do Sul estava já completamente arrasada.
A “hubris” da classe política e dos banqueiros centrais nunca lhes permitiu ver aquilo que deveria ser simples para qualquer estudante de Economia. No fundo, é o que Friedrich Hayek escreveu no seu livro Arrogância fatal, publicado em 1988: “A curiosa missão da ciência económica é demonstrar aos homens o quão pouco eles sabem sobre aquilo que imaginam conseguir planear”. Mais especificamente, quer a Reserva Federal Americana quer o Banco Central Europeu foram criados com vista à estabilização económica e financeira. E aquilo que parece cada vez mais evidente é que boa parte das bolhas e crises das últimas décadas parece estar a ser criada por aqueles que deveriam fazer tudo para as evitar. Num século marcado pela proliferação de especialistas, o conhecimento da história e as lições que daí podemos retirar parecem não entrar nas considerações do poder de decisão das sociedades tecnocráticas. Talvez a economia seja demasiado importante para ser deixada nas mãos dos economistas.