Há quem diga que as grandes mudanças da humanidade surgem quando as verdades absolutas começam a ser desafiadas. Não há hoje verdade que tenha sido mais absoluta do que a hegemonia da esquerda no discurso político e cultural em Portugal.

Partidos como PS, PCP, BE e os seus respeitáveis quadros — António Costa, Jerónimo de Sousa, e Catarina Martins — reinaram durante décadas com a certeza de quem acha que o mundo lhes pertence. Afinal, ser de esquerda era — e ainda é para muitos — sinónimo de virtude, inteligência e progresso. Mas, como diria o poeta, “os tempos estão a mudar” e, sejamos francos, dói.

Dói ver que, depois de anos em que “ser de esquerda” era praticamente um salvo-conduto para a superioridade moral, o tapete começa a ser puxado debaixo dos pés. O monopólio dos temas e das verdades, outrora protegido com unhas e dentes pelos camaradas de todas as tendências, foi abalado. Afinal, quem diria que, em pleno século XXI, pessoas moderadas, liberais ou simplesmente racionais começariam a questionar que “a esquerda” detém o monopólio do bem? Que ultraje…

Durante décadas PS, PCP e BE reinaram confortáveis na sua torre de marfim, enquanto debitaram lições de moral como um padre que só lê panfletos do Che Guevara. Contudo, as pessoas já entenderam que não ser de esquerda, não significa ser um vilão de filme.

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Mas não se preocupem, não estou a acusar ninguém de incompetência, pelo contrário. A esquerda fez um trabalho impressionante ao construir a narrativa que hoje ninguém engole. António Costa, com a sua habilidade de prestidigitador político, conseguiu vender a ideia de que só ele era capaz de gerir o país, enquanto desviava a atenção do estado calamitoso da saúde pública ou das filas intermináveis nos tribunais. Catarina Martins e o Bloco de Esquerda vivem como burgueses, mas através da sua indignação de boutique tentaram fazer-nos acreditar que tudo o que é contra o “sistema” é virtuoso, desde que seja o sistema por eles defendido e que, ainda por cima, os próprios não subscrevem. Afinal, Orwell sempre teve razão e “todos os porcos são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros”. E o PCP? Bem, o PCP continua no seu mundo, garantindo-nos que a União Soviética foi apenas um mal-entendido, Cuba é um país progressista e que o capitalismo ainda vai cair – eventualmente.

Eis que então, veio o wokismo. Oh, o wokismo! A última criação genial da esquerda. Aquilo que deveria ser o próximo passo no progresso social e a correcção de injustiças históricas, acabou a exigir que substituíssemos as palavras “mãe” e “pai” por “ ser parental número 1” e “ser parental número 2”, perfilando-se como mais um prego no caixão da sua credibilidade.

Convenhamos, a maior parte das pessoas comuns, aquelas que pagam contas e tentam sobreviver à burocracia do Estado, já não têm paciência para esta constante vigilância moral. Ninguém aceita ser chamado de fascista por perguntar se talvez, só talvez, a solução para a pobreza não passe por destruir todas as estátuas ou reescrever a história.

Aliás, é precisamente esse exagero que tem acordado tantas pessoas. A histeria moral, o policiamento das palavras, a glorificação da mediocridade em nome da inclusão são só exemplos desta pseudo cultura muito barulhenta a que a esquerda dá eco no parlamento, mas com pouca representatividade na população.

Por esta altura, muitos já perceberam que, afinal, não ser de esquerda não é sinónimo de ser reaccionário, homofóbico ou misógino nem de desinteresse por estes temas. Que é possível ser moderado sem ser cúmplice de um golpe de estado imaginário. Que ser liberal não significa querer escravizar os pobres. Que ser racional não é um crime de ódio.

A esquerda, habituada a ditar as regras do jogo, ficou fora de pé e não sabe lidar com esta nova realidade. Durante anos, qualquer crítica foi abafada com rótulos: questionar é ser retrógrado, fascista, racista e por aí fora.

Desacostumados a serem questionados, os grandes líderes da esquerda nacional reagiram como um adolescente confrontado pelos pais: negam, gritam, fazem birra. A verdade é que a esquerda tanto ficou obcecada em parecer virtuosa que se esqueceu de ser sensata.

O actual líder do PS, Pedro Nuno Santos culpa o “populismo”. A coordenadora do BE Mariana Mortágua, outrora rainha das causas fracturantes, está hoje tão fracturada que acusa todos os que não pensam como ela de serem “extrema-direita”. E Paulo Raimundo? Bem, talvez o líder comunista ainda esteja a tentar perceber o que é o TikTok.

Enquanto isso, aqueles que não se identificam com esta esquerda, estão fartos. Descobriram que não é preciso votar BE para acreditar na igualdade. Que não é preciso carregar uma foice e um martelo para querer justiça social. Que se pode existir no espaço público sem se precisar de pedir desculpa por existir. Que, pasmem-se, ser moderado é possível.

Naturalmente que existe quem ainda goste de puxar o velho espantalho do fascismo para assustar os distraídos, e naturalmente que ainda existem de facto fascistas bolorentos no panorama nacional. A verdade, porém, é que, fora dos circuitos ideológicos, as pessoas comuns começaram a perceber que o verdadeiro debate não é entre fascistas e comunistas, mas entre a razão e a insanidade.

Resta hoje à esquerda nacional (e arrisco dizer ocidental) uma coisa que sempre teve dificuldade em fazer: ouvir. Aceitar que a verdade não lhe pertence. Aceitar que continuar no mesmo caminho a gritar “fascista!” sempre que alguém lhes diz que o seu modelo económico e social não funciona ou que a sua gestão do SNS promoveu o seu colapso, só nos vai fazer deixar de os ouvir.

Concluindo, a pergunta que fica é: como é que a esquerda vai lidar com este novo mundo? Vai adaptar-se e fazer parte do progresso? Vai reconhecer que perdeu o monopólio da verdade e dialogar? Ou vai continuar a culpar todos os outros pelo seu próprio fracasso até definhar? Só o tempo dirá…mas uma coisa é certa: dói, não dói?