Dormindo com o inimigo – violência no namoro é violência doméstica

No início de todas as relações é normal haver uma diferença entre o parceiro real e o imaginário. É um fenómeno que não escolhe idades. A pessoa imaginária é perfeita, fruto da efabulação de quem ama. Já a pessoa real pode estar mais ou menos distante dessa idealização. Infelizmente, em muitos casos, a distância é maior do que se quer reconhecer, surgindo o ciúme exacerbado, o controlo, a perseguição, o insulto e mesmo as agressões físicas.

Todos os anos, apesar da aparente maior consciência social, não deixamos de nos surpreender com as estatísticas de violência doméstica. Ora, de acordo com o Código Penal, violência doméstica não é só a que ocorre entre cônjuges e ex-cônjuges: «Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psicológicos, incluindo castigos corporais, privações de liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns (…) [a] pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação (…) é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal». Ou seja, qualquer pessoa com 16 anos ou mais (idade a partir da qual se é responsável penalmente) que agrida o namorado ou ex-namorado comete o crime de violência doméstica. Por isso, a violência no namoro não só é crime como também não se distingue da violência entre cônjuges. Crime que, aliás, não depende de queixa da vítima, podendo ser denunciado por quem dele tiver conhecimento.

Já muito se tem escrito sobre a violência de que são vítimas as mulheres, seja física, seja psicológica. No entanto, em especial nos casos de maus tratos psicológicos, está por fazer um trabalho aprofundado de diagnóstico deste fenómeno quando as vítimas são homens. Na verdade, na minha atividade profissional tenho-me deparado com um aumento significativo de casos de continuada agressão, designadamente, a ex-cônjuges e ex-namorados, com grave perturbação do seu equilíbrio de vida.

Numa altura em que se celebra o amor, o mais importante é, sem dúvida, a educação para a cidadania, o saber crescer com capacidade de lidar com as frustrações, respeitando quem a determinada altura nos fez feliz, ainda que a relação não perdure. Mas é também importante ajudar as vítimas a – usando um plebeísmo comum – “abrir os olhos”, já que nem sempre o namorado real corresponde àquele que se persiste imaginar.

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