O mercado de droga está a mudar em todo o mundo com a introdução de novas substâncias psicoativas que vêm substituir as chamadas drogas tradicionais. Apareceram no mercado há dez anos e, sendo mais baratas, conquistaram quer consumidores tradicionais, quer jovens com propensão para as dependências. Só que as suas consequências para a saúde do indivíduo é bem mais grave e rápida do que o haxixe ou a heroína. Os surtos psicóticos são frequentes e em poucos meses o consumidor está num estado irrecuperável e sem tratamentos adequados, uma vez que ainda não existem com sucesso, havendo já a registar várias mortes.
Nesta matéria, como noutras, o crime anda à frente da lei e a cada nova proibição de tráfico de uma determinada droga, surgem alterações moleculares que levam a que a substância deixe de constar das tabelas de substâncias ilícitas.
Há nove anos, o fenómeno teve uma grande expressão em Portugal, com o aparecimento das smartshops que vendiam estas substâncias. O problema ganhou uma dimensão expressiva, sobretudo na Madeira, e a solução adotada foi a de proibir a sua comercialização, numa legislação pioneira que mais tarde se estendeu ao território continental, e instituir um regime contraordenacional para o seu consumo, que se tem revelado ineficaz. Ora, uma década depois, o problema volta a emergir à escala mundial, com consequências já muito graves na Europa.
A União Europeia sempre procurou, e bem, ter uma abordagem comum de resposta ao tráfico ilícito de droga, que constitui uma ameaça para a saúde, para a segurança e a qualidade de vida dos cidadãos, para a economia legal e para a estabilidade e segurança dos Estados-membros.
Nesse sentido, a Diretiva (UE) 2017/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de novembro de 2017, que alterou a Decisão-Quadro 2004/757/JAI do Conselho e revogou a Decisão 2005/187/JAI do Conselho, veio estabelecer um novo quadro definidor das drogas, nomeadamente com a inclusão de novas substâncias psicoativas, tendo em vista combater o tráfico, limitar a oferta e reduzir os consumos que constituem uma ameaça crescente para a saúde pública e colocam graves riscos sociais.
A Diretiva veio introduzir no Anexo de drogas ilegais, doze novas substâncias psicoativas que estão a propagar-se na União Europeia, depois das consequências muito graves registadas nos Estados Unidos e no Canadá, com centenas de mortes já registadas. Até ao momento, estas substâncias não estavam abrangidas pelas Convenções da ONU ou por outros protocolos e acordos internacionais.
Pretendeu-se, assim, incluir estas novas substâncias nas disposições do Direito Penal da União Europeia aplicáveis ao lícito de droga.
O Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência considera que que estas novas drogas, que pertencem às categorias de canabinóides sintéticos e opiácios sintéticos, “agem sobre o sistema nervoso central, podendo alterar as funções cerebrais, o comportamento ou a perceção” da realidade, sendo, em muitos casos, altamente danosas para os seus consumidores.
Nos termos desta Decisão-Quadro, os Estados-membros da União Europeia deveriam transpor esta Diretiva para as legislações nacionais até 23 de novembro de 2018. Ora, acontece que, até ao momento, Portugal não efetuou tal transposição para o ordenamento jurídico interno.
Em julho deste ano, a Comissão Europeia notificou o Governo de Portugal desta omissão e concedeu um prazo de três meses para que a Diretiva fosse adaptada, sob pena de o assunto transitar para o Tribunal de Justiça da União Europeia.
A verdade é que estamos no início de 2021, a legislação nacional não foi revista e a tabela anexa ao Decreto-Lei nº 15/93, não foi atualizada nos termos da Diretiva europeia.
Talvez seja o momento de encontrar uma Lei inovadora e mais flexível, que permita ser atualizada em pouco tempo, ilegalizando as substâncias perigosas e sem controlo que vão aparecendo no mercado, em vez de esperar meses e anos por alterações nas tabelas de proibição, como tem acontecido.
Ora é sabido, que esta crise pandémica veio potenciar as dependências, designadamente destas novas substâncias psicoativas que a preço baixo vão invadindo o mercado, fazendo crescer o número de consumidores, com consequências pessoais e comunitárias muito preocupantes.
Estudos recentes das forças policiais indicam que a penetração destas drogas é particularmente grave nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, com um consumo dez vezes superior ao território continental. Mas se não se atuar, em breve vamos ter enormes problemas em todo o país.
Assim, é muito urgente que o Governo de Portugal transponha para a ordem jurídica interna a Diretiva europeia, criminalizando o tráfico e contribuindo para uma redução do consumo destas drogas que estão a minar a saúde de muitos jovens e a estabilidade de muitas famílias.
As polícias, o Ministério Público, os tribunais e as organizações de combate e tratamento de drogas precisam de ter os instrumentos legais para travar o tráfico e reduzir o consumo destas novas substâncias, altamente perigosas para a sociedade e que já hoje constituem um problema de saúde pública. Nesta matéria não pode haver mais demoras!