No dia 28 de maio, em Londres, o Conselho de Guerra já ia no seu terceiro dia de discussão sobre o que fazer após o colapso das democracias ocidentais da Europa continental. Nesse mesmo dia, a Bélgica rendia-se à Alemanha Nazi. Na véspera, uma divisão blindada britânica tinha sido destruída pelos alemães em Abbeville. A retirada do Corpo Expedicionário Britânico fora decidida alguns dias antes. Os franceses resistiam em Boulogne e Calais enquanto os britânicos organizavam a retirada. A 1 de junho, os franceses, sem munições, rendiam-se em Lille enquanto os britânicos evacuavam milhares de soldados em Dunquerque.

Os britânicos tinham sido escorraçados da Europa Continental regressando a casa desmoralizados, abandonando armas, artilharia, veículos, tanques e munições. O seu melhor equipamento tinha ficado para trás.

Dois anos antes, os alemães tinham ocupado a Áustria e a Checoslováquia para “proteger” as populações que falavam alemão. Depois, alemães aliados com os russos invadem e desmembram a Polónia. A seguir, a Rússia invade a Finlândia que resiste valorosamente, mas, sem munições, acaba por se render.

Com a frente leste estabilizada e o conforto da aliança com os russos, os alemães voltaram as atenções para a Europa Ocidental. A Dinamarca é ocupada em 24 horas. A seguir, foi a vez da Noruega, que também caiu apesar dos esforços e auxílio de britânicos e franceses.

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No dia 10 de maio de 1940, os alemães invadem a Bélgica, a Holanda e a França, que nessa época era considerada a maior potência militar europeia. Os alemães deslocam para esse ataque mais de 40.000 veículos em colunas tão extensas que nalguns lugares têm mais de 200 km de comprimento. A coordenação entre franceses e belgas foi um desastre, muitos oficiais do Estado Maior Francês, incompetentes, não estiveram à altura da situação. Apesar do heroísmo de muitos soldados franceses e belgas, os alemães avançam por todo o lado e o exército francês colapsa.

A 14 de junho os Nazis entram em Paris, desfilam nos Campos Elíseos e colocam uma bandeira com a cruz gamada no alto da Torre Eiffel. No dia 21 de junho é assinado o armistício. No dia 28 de junho, Hitler aparece, juntamente com o seu Estado-Maior, na infame imagem em Paris, no Trocadero, com a Torre Eiffel em pano de fundo.

A maior potência militar europeia tinha sido derrotada, os britânicos expulsos do continente e os alemães, italianos e russos conquistado metade da Europa. As democracias liberais europeias tinham sido derrotadas por um bloco de regimes totalitários liderados pela Alemanha Nazi. A Segunda Guerra Mundial podia ter acabado em Dunquerque.

E a Europa da 2.ª metade do século XX teria sido um continente dominado por nazis, comunistas e fascistas, onde apenas as Ilhas Britânicas continuariam livres.

Este desenlace resultou de uma sequência de eventos que se iniciou muito antes. Desde 1918 e nos anos 20 e 30 do século XX. Com semelhanças inquietantes com a sequência de eventos que nos trouxe, da queda do Muro de Berlim aos dias de hoje, com a invasão da Ucrânia pela Rússia.

Nas duas décadas deste século, como nas duas décadas antes da Segunda Guerra Mundial, a Europa viveu na ilusão de que era possível manter a paz no continente para todo o sempre. Como se quem decidesse se há guerra ou paz fossem os agredidos e não os agressores. Devido aos traumas da Primeira Guerra Mundial, a ideia de investir em exércitos e armas era muito mal aceite nas democracias ocidentais. Mais do que isso, para muitos, a guerra era a consequência lógica da acumulação de soldados, armas e munições. A França e o Reino Unido tiveram governos pacifistas durante uma boa parte dos anos que separaram as duas grandes guerras. Achavam-se protegidos pela Sociedade das Nações, equivalente à ONU dos nossos dias, criada para condenar, sem reservas, as guerras de agressão.

A Alemanha Nazi ignorou todas as linhas vermelhas definidas após a sua derrota de 1918 e arma-se aceleradamente. Num esforço para apaziguar Hitler, em 1933 é estabelecido um Acordo, em que a França e o Reino Unido reduzem e desmantelam uma parte substancial das suas forças armadas ao mesmo tempo que é permitido à Alemanha duplicar o seu exército. Mas a Alemanha de Hitler quer sempre mais. Em Londres, valia tudo para apaziguar e manter a paz com a Alemanha Nazi. Chegou a ser proposto, pelos britânicos, a cedência de territórios ultramarinos portugueses, que os alemães não quiseram. O culminar desta fase aconteceu em Munique, em 1938, onde britânicos e franceses “entregam” a Checoslováquia à Alemanha Nazi na esperança de um apaziguamento definitivo. Neville Chamberlain, o Primeiro-Ministro britânico, é recebido em triunfo em Londres, depois de assinar este Tratado, por ter “garantido” a paz na Europa.

De um lado tínhamos ditaduras sanguinárias a armarem-se e cada vez mais agressivas para com os seus vizinhos. Do outro lado, democracias europeias que não queriam ouvir falar nem em defesa nem em guerras. E os EUA completamente alheados da Europa e focados nos seus assuntos internos.

Mas, a realidade de hoje não tem apenas semelhanças inquietantes com o que se passou nesses dias sombrios. É pior do que isso, a situação que se está a desenrolar hoje pode ter consequências muito piores do que aquelas que a Europa viveu nesses tempos.

Nessa primavera de 1940, depois de Dunquerque, houve dois acontecimentos cruciais que permitiram virar o jogo. Primeiro, conseguiu-se vencer todos aqueles que no seio do governo britânico preferiam fazer a paz com os Nazis, em vez de continuar uma guerra quase impossível de vencer. Segundo, conseguiu-se convencer a única potência que poderia fazer a diferença, os EUA, a abandonar o seu isolacionismo e colocar toda a sua indústria e massa humana a apoiar o Reino Unido no esforço de resistir aos Alemães e libertar a Europa. Estes dois momentos cruciais da Segunda Guerra Mundial deveram-se ao génio e energia de Winston Leonard Churchill.

Caso Donald Trump seja eleito nas próximas eleições presidenciais, não é de todo certo que os EUA ajudem a Europa, em caso de um ataque russo a um país da NATO. O que já está a acontecer hoje é um sinal importante do que poderá estar por vir. Trump, apenas na qualidade de líder do Partido Republicano, consegue bloquear desde há 6 meses o envio de ajuda militar dos EUA para a Ucrânia. Trump partilha com o seu amigo Putin um total desprezo pelas democracias liberais, pelo multilateralismo, pela ordem mundial saída da Segunda Guerra Mundial que permitiu a paz na Europa nos últimos 80 anos. Prefere ditadores a líderes eleitos. Prefere a lei da selva ao primado da lei.

Sem o apoio dos EUA, excluindo a França e o Reino Unido, as duas potências nucleares europeias, todos os outros países europeus podem ser vítimas de agressão por parte de uma Rússia de Putin cada vez mais parecida com a Alemanha de Hitler.

Para garantir a paz, os países europeus da NATO têm de se preparar para uma guerra que poderão ter de combater sozinhos. Se não o fizerem arriscamos o colapso da União Europeia e de várias democracias ocidentais. A Europa que Hitler, Estaline e Mussolini sonharam em 1940 pode tornar-se realidade quase 100 anos depois.

Temos, desde já, que reforçar drasticamente o investimento na Defesa. Mas garantir a segurança europeia sem os EUA será uma tarefa titânica. O orçamento de defesa dos EUA corresponde a quase 2/3 do orçamento de defesa de todos os países da NATO, incluindo as duas potências nucleares europeias. Por outro lado, o orçamento de defesa norte-americano é utilizado em um único exército, o seu. O 1/3 restante do orçamento de defesa NATO está diluído por 31 exércitos diferentes, em que muitas capacidades e equipamentos são redundantes, enquanto outras escasseiam, como é o caso dos aviões pesados de transporte, ou de satélites de observação militar.

Desde 1990, o PIB dos 12 países que nessa altura faziam parte da NATO subiu mais de 50% enquanto as suas despesas na área da defesa se mantiveram no mesmo nível. Com o fim da guerra fria, a indústria de defesa europeia foi parcialmente desmantelada e não está minimamente dimensionada para os desafios que temos pela frente.

Portugal é um dos poucos países europeus que ainda não cumpre com o compromisso estabelecido com a NATO de alocar à Defesa 2% do seu PIB. Entretanto, este valor que começou por ser um objetivo, transformou-se num patamar mínimo admissível.

Mas para alem dos compromissos assumidos internacionalmente, a crescente beligerância da Rússia poderá induzir uma urgência em aumentar ainda mais o orçamento na Defesa. Tal como aconteceu nas democracias europeias em 1938, que subitamente perceberam que se tinham de preparar para o que aí vinha. Mas os recursos financeiros adicionais a colocar na Defesa irão fazer falta noutros setores. Será que os eleitores vão ficar satisfeitos quando lhes disserem que o investimento num novo hospital terá de ser adiado porque esses recursos financeiros vão ser necessários para criar uma reserva aceitável de munições de artilharia? Será que os sindicatos da função pública vão ficar satisfeitos quando for necessário dar prioridade a aumentos salariais  nas Forças Armadas, para conseguir preencher e estabilizar as equipas necessárias para cumprir as missões da Defesa Nacional?

Só conseguiremos fazer a quadratura deste círculo com uma sociedade mais dinâmica e muito mais crescimento económico.

Mas para fazer frente a esta ameaça é preciso mais. É preciso uma população muito mais consciente deste risco e muito mais preparada para o enfrentar. É preciso voltar ao serviço militar obrigatório para homens e mulheres, como já está a acontecer em outros países europeus como a Dinamarca.

Se não nos prepararmos ficamos à mercê de ditaduras como a de Putin e sujeitos a uma degradação das condições de segurança muito rápida e sem retorno, como os polacos, dinamarqueses, finlandeses, noruegueses, belgas, holandeses e franceses conheceram 8 décadas atrás. Como os Ucranianos conhecem hoje.

Só que desta vez, sem o apoio dos EUA, corremos o risco de deixar aos nossos filhos um século XXI sombrio. A não ser que todos os europeus, incluindo os portugueses, assumam a responsabilidade de continuar a ser os donos do seu futuro, numa União Europeia livre, democrática e próspera.