As mulheres representam mais de 70% da força de trabalho global na saúde e ocupam apenas 25% dos cargos de chefia.
O setor da saúde é um dos maiores setores de emprego e dos que continua a crescer mais rápido no mundo. As mulheres representam mais de 70% dos profissionais de saúde e assistência social em todo o mundo e quase 90% da força de trabalho de enfermagem e obstetrícia, no entanto, estima-se que ocupem apenas cerca de 25% dos cargos de liderança na saúde global.
Em março de 2019, a World Health Organization (WHO, Organização Mundial de Saúde) lançou um relatório que levantou o véu a uma desigualdade já conhecida, mas muitas vezes ignorada: “Exercido por mulheres, liderado por homens: uma análise de género e equidade da força de trabalho social e de saúde global”.
As quatro áreas temáticas do relatório foram: paridade de género na liderança; segregação ocupacional; trabalho decente, livre de preconceito, discriminação e assédio, incluindo assédio sexual; e as disparidades salariais entre homens e mulheres.
Na terça-feira passada foi lançado um novo relatório e “plano de ação” que considero dos mais importantes neste momento crítico para a saúde global que estamos a atravessar, sobre “Acabar com a Desigualdade De Género na força de trabalho da Saúde Global” (Closing The Leadership Gap: Gender Equity And Leadership In The Global Health And Care Workforce, em inglês), publicado pela World Health Organziation (WHO), Women in Global Health (WGH) e Global Health Workforce Network (GHWN), que explora o paradoxo de tão poucas mulheres serem líderes numa profissão na qual ocupam uma percentagem tão incontornável, e explora as ações que podem ser tomadas para corrigir esse desequilíbrio de género, que afeta a segurança da saúde para todos. Uma das grandes novidades é que este mais recente relatório é de ação política, incorporando o feedback recebido da sociedade civil e focado na solução.
A discrepância na liderança entre mulheres e homens na área de saúde só pode ser eliminada abordando as barreiras sistémicas para as mulheres.
O mundo foi atingido por esta crise sanitária de Covid-19, que nos afetou a todos (mais a uns do que a outros, claro), teve um impacto profundo em acentuar as desigualdades sistémicas que já existiam, e testou a resistência dos sistemas de saúde, sociais e económicos em todos os países.
“É hora de parar de tentar mudar as mulheres e começar a mudar os sistemas que as impedem de atingir o seu potencial.” – António Guterres
As “novas políticas” precisam de reconhecer as desigualdades subjacentes no sistema e no ambiente de trabalho para criar condições de trabalho decentes onde as mulheres prosperem e alcancem seu pleno potencial de liderança.
Alguns dos dados chave deste mais recente relatório são:
– A saúde global e os cuidados sociais são prestados por mulheres e liderados por homens. Embora as mulheres representem cerca de 70% da força de trabalho global em saúde, ocupam apenas 25% dos cargos de chefia.
- Uma pesquisa da Women in Global Health descobriu que 85% das 115 “task force” nacionais para a Covid-19 tinham menos de metade (ou nenhuma) mulher como parte da equipa.
- Existem opções de políticas viáveis e eficazes. Precisamos de implementar políticas de género que desafiem as causas subjacentes da discrepância de liderança nos profissionais de saúde.
- O modelo ecológico mostra-nos que as barreiras de liderança enfrentadas pelas mulheres profissionais de saúde só podem ser resolvidas corrigindo o sistema, não as mulheres.
- A liderança com igualdade de género na saúde global é a base para um sistema universal de saúde sólido e seguro.
- Organizações lideradas por grupos com diversidade (incluindo mulheres) apresentam melhores resultados.
Sendo focado na solução, o relatório apresenta uma lista de ações que líderes organizacionais, editores, meios de comunicação, quem usa redes sociais, homens, e mulheres, podem fazer para mudar esta realidade.
Já não existe espaço para o argumento do “desconhecimento”, não há falta de mulheres com talento em liderança na saúde.
A desigualdade de género é sistémica e não muda sem uma ação deliberada, inclusiva e interseccional.
Podem ler o relatório, por enquanto ainda em inglês, aqui.
Carolina Pereira é actualmente Chapter Communications & Advocacy Manager na Women in Global Health, dedicada a combater a desigualdade de género na saúde Global. É co-fundadora da TippingUp, uma organização que co-cria e implementa projetos de comunicação, educação e comunidade focados nos pilares centrais da sociedade. Carolina é também Co-Directora da Sathyam Project, uma associação em Chennai (India), que trabalha na capacitação de raparigas e mulheres através da educação para quebrar ciclos de pobreza nas família. Enquanto embaixadora do #HeForShe, fundou e implementou o movimento em Portugal, mobilizando jovens para a igualdade de género e direitos LGBTQ. Durante o seu percurso, sempre trabalhou em comunicação, criação de conteúdos e impact storytelling dentro das organizações pelas quais passou e movimentos que ajudou a criar, colaborando com eventos como o #RightLivelihoodAward (também conhecido como Alternative #NobelPrize) ou a campanha ID Europa (do Parlamento Europeu). Juntou-se aos Global Shapers em 2019.
O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.