Vou assumir o risco de poder estar a cair no clichê de fazer mais um texto sobre as eleições americanas, mas o tempo que estamos a vivenciar assim o exige. Sou um municipalista convicto e o meu país será sempre a minha prioridade, contudo, a conjuntura política internacional vigente fortemente marcada pelas eleições norte-americanas obriga-me a dedicar um pouco ao tema.

Com o abandono da corrida eleitoral por parte do Presidente Joe Biden, uma porta se abriu para as aspirações da Vice-Presidente Kamala Harris que passou um mandato completo na sombra do Presidente Biden (apesar de que a politica também se faz nos corredores e aí poderá ter sido bem sucedida, portanto, faço o meu mea culpa no caso de estar a ser injusto) após ter sido um sucesso a sua investida em 2020 na candidatura, sobretudo nos debates em que participou, com uma postura assertiva e eloquente. «Como quem não quer a coisa» e «pelos pingos da chuva» lá vai levando a sua investida. Pessoalmente não faço aquelas auto-caracterizações para saber se me sinto mais Democrata ou mais Republicano, pelo simples facto de que é um erro transpor a política americana para a realidade europeia. A construção ideológica é diferente, a organização da sociedade também (apesar de uma certa comunhão de valores ditos ocidentais) e os objetivos e foco de ação na política externa diferente é. Por exemplo, em minha opinião, nunca houve nenhum Presidente norte-americano de esquerda (até porque se assim o fosse, os EUA como os conhecemos já não existiria). O máximo que talvez possa ter existido foi um maior incremento do Estado na era de Carter e Obama, mas isso ser chamado de socialismo (ou até social-democracia) parece-me manifestamente exagerado. Para além disso os meus dois Presidentes favoritos foram um Democrata e um Republicano, o que vem corroborar o que eu mencionei há pouco, não é uma questão partidária ou ideológica, é uma questão de pura conduta política. Um Presidente dos Estados Unidos da América (e os Estados Unidos em si) vejo-o como um senador, um Presidente dos Presidentes, um «diplomata político» do qual «todos» desejam obter aprovação, sejam governos de esquerda ou direita. Lançados os dados, Kamala Harris até se poderá moldar nesse sentido (como já fizeram outros) mas não podemos esquecer que representa (e será talvez uma das líderes) um dos lados mais à esquerda do partido democrata, algo que nunca se coadunou com o rumo de Joe Biden nem de outro Presidente do passado, pelo menos no Século XX e XXI. Ou seja, isto para dizer que Kamala Harris poderia bem representar a ascensão ao poder de uma ala que nunca teve grande projeção nos EUA e isso sim seria atípico. É lógico que o peso do poder e da responsabilidade é mágico, faz com que as pessoas adotem posturas consubstanciadas mais na responsabilidade e no rigor da gestão pública, contudo, se Kamala for presidente, teremos a líder do «wokismo americano» na chefia do Estado.

Por outro lado, os Democratas tinham uma figura mais consensual, moderada e com provas dadas para derrotar Trump, Anthony Blinken, e faço já um ponto prévio que a discussão não se resume à pobreza argumentativa que é reduzir as pessoas aos seus sexos ou géneros, mas sim porque estou convicto de que o Secretário de Estado da Defesa Norte-Americano seria a escolha mais acertada. Blinken Ministrou a sua pasta com uma seriedade categórica. Se cometeu erros? Cometeu, mas isso é o maior apanágio da generalidade da vida, sobretudo na arte de tomar decisões, como é o caso da política. Blinken conquistou o respeito dos seus pares, dirigiu como poucos algumas atitudes da NATO, nunca cedeu no apoio à Ucrânia, modernizou o setor da Defesa nos EUA (não obstante tem sido complicado cativar efetivos para as forças armadas como os EUA jamais sentiram) e conseguiu, dentro das limitações que a sensibilidade do tema impõe, negociar e lidar com a China. A questão de Taiwan, o mar do sul da china e a escalada de tensão diplomática entre ambos os Estados foram alguns dos pontos positivos que evidenciaria. Na questão mais polémica, que se prende obviamente com a Guerra no Médio Oriente, apenas recordar que apesar de todos os imbróglios que o tema comporta, Blinken sempre se pautou por uma postura humanitária, defendendo inúmeras vezes publicamente as pausas humanitárias, entre outros.

Concluindo, num mundo atual marcado por «borboletas», «likes», «influencers» e produtos meramente estéticos e com pouca substância, Blinken seria a escolha ideal para derrotar Trump. Um homem sério contra uma personagem jocosa como Trump, e um homem moderado, com postura e valores que norteiam o ocidente há várias décadas. Numa conjuntura internacional cada vez mais complexa, não nos podemos dar ao luxo de embarcar em experiencialismos perigosos. A política, sobretudo americana, está a atravessar um deserto penoso até regressar aos tempos de alguma classe na política. Até nos famosos «Jingles» de campanha podemos constatar isso, se atualmente Harris tem Beyonce, Kennedy tinha Sinatra e por aí fora, são os sinais dos tempos.

É certo que não é por serem norte-americanos que os políticos deixam de ser humanos, ou seja, Blinken até pode não ter mesmo a vontade de se candidatar, mas caso contrário, porque não Blinken?

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