Percebe-se logo que um assunto é sério quando a sua mais popular divulgadora é uma adolescente sem desequilíbrios mentais e com notável assiduidade escolar. Além disso, se o assunto não fosse sério não preocuparia cabeças brilhantes do nosso tempo, como o eng. Guterres, o sr. Biden, o sr. Johnson, o sr. Francisco que é Papa e o sr. Francisco que mora aqui na rua e que, após ver uma fita na HBO e a capa da revista “Visão”, passou a acreditar que a flatulência das vacas causará dilúvios bíblicos em seis meses.

Pois é, estou a falar do “aquecimento global”, que depois se dizia “alterações climáticas”, que agora se diz “crise climática” e que enquanto não muda novamente de nome andou a ser discutida a altíssimo nível na cimeira do clima, em Glasgow. A ideia é simples: se não se fizer alguma coisa, por exemplo cimeiras do clima, o mundo acabará não tarda. Não brinco. “Eles” também não. A prova de que isto não é para brincadeiras são os sucessivos avisos de que o mundo iria acabar em 2010, 2000, 1990 e por aí fora. Mesmo os Maias, os do México e não os do Eça, não se enganaram quando previram o Apocalipse para 2012: o calendário gregoriano é que não presta. Fosse o calendário competente, não teria desapontado nas últimas décadas milhares de profetas do Juízo Final, incluindo George Wald, um biólogo de Harvard que em 1970, por ocasião do primeiro Dia da Terra, anunciou “o fim da civilização em 15 ou 30 anos”, caso não se tomassem “medidas urgentes”.

À cautela, sou de opinião de que é preferível tomar as medidas urgentes antes das restantes. Por isso, aplaudo a rapidez com que os diversos líderes mundiais e regionais correram para a Escócia. O recurso a Airbus e a longas comitivas automobilizadas não é hipocrisia nenhuma. Nunca ouvi os guardiões do clima defenderem a interdição de aviões e carros para toda a gente: apenas querem interditá-los à ralé, que por definição não tem urgência para nada. Nesse sentido, só a má-fé justifica as críticas à presidente da Comissão Europeia, que foi à cimeira deixar alertas arrepiantes sobre o uso de combustíveis fósseis e pelos vistos freta jactos privados para viagens de 47 (quarenta e sete) quilómetros. O que os intriguistas se esquecem de explicar é que a sra. dona Úrsula Vanderleia frequenta jactos privados por manifesta falta de uma rede de jactos públicos. Naturalmente, o problema é o capitalismo.

O capitalismo, seja sob que formas for, é que deve ser derrubado com urgência. Antigamente, o problema era a exploração do homem pelo homem. Hoje é a exploração do ambiente pelo homem. Vai-se a ver e a culpa é sempre do homem, que teima em explorar sem escrúpulos tudo o que o rodeia. Entre parêntesis, noto que utilizo “homem” no sentido heteropatriarcal e misógino do termo – leia-se as mulheres integram a pandilha. Parêntesis fechados, o essencial é eliminar o homem (e as senhoras), ou no mínimo devolvê-lo (e a elas) de volta às cavernas. Ou ao século XIV, vá.

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A esse respeito, estamos bem encaminhados. O objectivo é ir renunciando progressivamente a cada avanço tecnológico dos últimos cem, duzentos ou talvez quatrocentos anos. Não custa muito. Ao fim e ao cabo, basta-nos abdicar do conforto, da riqueza, da saúde e genericamente do nível de vida que, comparativamente aos modelos económicos e sociais anteriores, o capitalismo comparativamente livre nos proporcionou. No fundo, não precisamos de transporte privado, telemóvel privado, computador privado, esquentador privado, laboratórios privados, produção privada, comércio privado, habitação privada, família privada. Uma bicicleta (partilhada), um abrigo (comunitário) e senhas de refeição (racionadas) chegam e sobram para a nossa felicidade, a que acresce a comunhão com a natureza e com as compotas de que o consumismo desvairado nos afastou. Os irracionais luxos descritos acima reservam-se unicamente aos salvadores que, em benefício do planeta, nos proíbem de aceder aos luxos.

Os “lockdowns” da Covid foram um óptimo ensaio. Excepto ocasionais resmungos, próprios de ignorantes, constatou-se que as pessoas se resignam ao que calha, perdão, à defesa do bem comum. Se se resignaram a empobrecer e a ficar malucas a pretexto de um vírus respiratório, não se importarão de se desgraçar de vez para evitar o Armagedão ambiental previsto para anteontem. Além de bom conselheiro, o medo é indispensável à purificação das almas. Quem se fecha “duas ou três semanas” de modo a “achatar a curva”, fecha-se a vida inteira para combater o efeito estufa. O fundamental é salvaguardar as gerações futuras, que de certeza agradecerão imenso por desfrutar de uma existência rica e preenchida como a dos estilitas da velha Síria ou dos residentes da moderna Venezuela. Para que, um hipotético dia, a humanidade não se arrisque a rebentar com o mundo, rebenta-se já com a humanidade. Parece sensato.

A terminar, reflictam nas palavras da pequena Greta, eloquentemente berradas numa rua de Glasgow e dirigidas aos poderosos que não lhe concederam o devido protagonismo na cimeira: “Enfiem a vossa crise climática no [calão para ânus]”. E com urgência, por favor.