Os bebés não são tão pequeninos como parecem. São inteligentes e são intuitivos. São atentos e são sensíveis. São frágeis e são fulgurantes. E aprendem duma forma brilhante, em função dos estímulos que têm ao seu dispor. Mas precisam de ritmos, de regras e de rotinas que, devidamente alinhados com as suas competências, os levem a transformá-las em recursos e em factores de crescimento. Em nome da verdade, eles serão “Doutores Bebés”. O que nos obriga a deixar de os ver como “tubos digestivos, com um cérebro acoplado. Capazes, unicamente, de reacções reflexas. E a percebê-los como pessoas dotadas de autonomia, de vontade e de intencionalidade. Ao contrário daquilo que, ao longo de gerações, fomos imaginando.

Porque eles são inacreditavelmente inteligentes e, por isso mesmo, bem mais complexos do que a sua fragilidade nos sugere, a forma como se compatibilizam formas de ser e de comunicar tão diferentes como a do bebé e da mãe, não faz da relação dos dois um “piloto automático” que a própria Natureza se encarrega de dirigir. Essa relação precisa de muitos ensaios e de alguns erros para se consumar. A forma como ambos se procuram e dialogam necessita de tempo e duma aprendizagem recíproca. A essa “dança a dois” podemos, realmente, chamar língua materna. Que será aquele formato de comunicação daquela mãe e daquela criança naquele momento. Que faz dele um conjunto de tempos, de gestos, de sinais e de formas de escutar e de conversar irreplicáveis. Que transformam a relação dos dois num momento único.

E, depois, há o pai. Que ao entrar nessa relação de forma participativa traz uma tal alteridade ao bebé e à mãe que leva a que a forma como ele os olha e os perscruta, ou como comunica, ou como traz particularidades que os impede de se “fecharem” um sobre o outro, torna a relação da mãe com o bebé mais aberta, mais competente mais interativa e, sobretudo, mais saudável. No entretanto, a língua materna apura-se, diversifica-se e alarga-se ao pai. Mas tudo exige tempo! Por isso mesmo, as licenças de parentalidade nunca deveriam cessar antes dos seis a oito meses duma criança. E, muito menos, de forma abrupta! Para que o bebé se abra a novas realidades e aprenda com elas a um ritmo sensato.

É verdade que nada disto supõe que devamos ter com o bebé furores educativos absurdos. Como se mais estimulação fosse sempre melhor desenvolvimento. Que o ponham a ter tantas cascatas de aprendizagens que o levem a um stress tóxico que acaba a afastá-lo do desenvolvimento saudável e da saúde mental. Mas também já não será razoável que imaginemos que o bebé estará tanto melhor quanto mais ao cuidado bucólico da mãe ele estiver; durante os dois ou três primeiros anos de vida, por exemplo. Nem, muito menos, que se imagine que a guarda de bebés, hoje, signifique cuidar da sua higiene e duma alimentação adequada, uniformizar os seus ritmos pelas rotinas dum berçário e, no entretanto, deixá-los deitados um dia inteiro a observar o mesmo mobile, que não se mexe, diante dos seus olhos.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Por tudo isto, é importante que se diga que as crianças já não devem entrar o mais tarde possível no jardim de infância. Se ligarem as mais diversas particularidades da relação que tenham com os pais às formas diferentes de estar e de comunicar que um jardim de infância lhes traga, tudo isso representarão saltos de complexidade sempre crescente que fazem com que os jardins de infância equilibrem aquilo que as crianças conquistaram nas suas famílias com tudo o que de novo a educação de infância lhes pode trazer.

Por isso mesmo, no século XXI é um absurdo que se separe educação de infância e ensino obrigatório. Porque se as mais-valias do ensino obrigatório passam por disponibilizar a todas as crianças oportunidades que compatibilizem aprendizagem, sociabilidade e saúde mental, é óbvio que a educação de infância é indispensável para o ensino obrigatório. E é insano que o ensino obrigatório seja gratuito enquanto muitas crianças não têm acesso ao jardim de infância, unicamente porque os seus pais não têm os recursos financeiros que viabilizem essa oportunidade indispensável para o seu desenvolvimento. Imaginar que o ensino obrigatório colmata as lacunas duma educação infantil que não se deu é aceitar que as crianças não tenham oportunidades idênticas diante da educação enquanto se reclama que todas elas merecem ser iguais.

Mas antes do jardim de infância, as creches passaram a ter um impacto antes desvalorizado. Quando, hoje, se fala de creches, já não faz sentido imaginá-las como respostas sociais dedicadas aos pais com condições sócio-económicas desfavorecidas. A guarda dos bebés, a partir dos três ou dos quatro meses de idade – considerando, por exemplo, os centros urbanos e a actividade profissional dos avós actuais – tornou-se uma resposta indispensável para todas as famílias, de todos os níveis sociais. Sendo que a guarda de bebés já não é bem uma guarda de bebés. Exige técnicos com um perfil de personalidade e com uma formação tão diversificada e tão delicada que as creches, até pelos recursos tão mais sábios como os bebés lá chegam, são, hoje, o primeiro passo da educação de todas as crianças. Por isso mesmo, as creches têm, urgentemente, de deixar de ser vistas como um resposta social dedicada a crianças carenciadas para passarem a ser uma área da educação. Aberta a todos os bebés.

Nas creches os bebés são cuidados, dentro dos seus ritmos particulares, para a curiosidade e para a atenção. Para a exploração e para a descoberta. Para a intimidade e para o convívio. Para a expressão musical e para a expressão plástica. Para as regras e para a relação. Para as formas, os sons, as texturas e as cores. Para o brincar, a linguagem e a sociabilidade. Para a expressão corporal, para a motricidade e para o movimento. Para a sensibilidade e para o conhecimento

Por isso mesmo, os bebés encontram nas creches os “complementos vitamínicos” que expandem a estimulação que têm nas suas famílias enquanto os seus pais retiram delas pistas formativas que os tornam melhores pais. As creches são indispensáveis para que os bebés se tornarem mais curiosos, mais astutos, mais inteligentes, mais engenhosos, mais sociáveis, mais equilibrados e mais autónomos. Elas são o primeiro degrau da educação. Logo, é uma responsabilidade do Estado abri-lo a todas as crianças. Sem que haja milhares e milhares de crianças sem creches disponíveis para si. E, muito menos, sem que a escassez disponível para elas se contorne com o aumento de crianças por grupo aos cuidados de cada educador. As creches exigem grupos muito pequenos de crianças! Educadores de infância especializados em bebés! E espaços e recursos altamente diferenciados. Diante de tais necessidades, as respostas governativas têm sido muito pouco razoáveis. Demasiado desatentas. Pouco amigas da educação! E, estranhamente, por demais indiferentes às necessidades fundamentais de todas as crianças!

Mas se tudo isto já é uma preocupação que nos devia mobilizar, o que aconteceu na Regina Autónoma dos Açores deveria merecer uma enorme perplexidade. Deixar crianças filhas de pais desempregados ou de beneficiários do rendimento mínimo de inserção fora dos lugares das creches por opção política não pode ser aceite. Presumir que, ao serem obrigados a tê-las ao seu cuidado, isso os afasta da preguiça, dos vícios ou de relações sociais degradantes é pôr sobre as crianças o ónus da recuperação dos pais. Ignorar esse período da vida delas como o tempo mais fulgurante de crescimento nervoso e de estabilização de recursos cerebrais e, em consequência disso, como aquele em que todos os investimentos que se lhes dêem mais se repercutem de forma exponencial no seu futuro, é sequestrar as necessidades e os direitos das crianças em nome de advertências para o exercício indevido das responsabilidades dos seus pais. Para mais, quando estas crianças serão aquelas que mais encontrariam numa creche as compensações indispensáveis para os recursos que as suas famílias não promoverão.

Mas, afinal, onde está a nossa humanidade quando permitimos aos filhos dos outros a ausência de cuidados que jamais permitiríamos aos nossos? Não mereceria tudo isso uma intervenção dos poderes instituídos, considerando os danos potenciais que tudo isso lhes pode trazer? E, já agora, onde estarão todas as pessoas que reclamam mais saúde mental para todos e, depois, acabam por ser coniventes com a negligência a que estas crianças acabam por estar entregues?