Quem acompanhou a evolução política dos últimos anos, sobretudo durante o período de maioria absoluta de António Costa, não pode ter ficado surpreendido com os resultados eleitorais. Sentíamos que quanto mais o Chega engordava, mais emagrecia a direita democrática. E que se esperava um forte castigo à arrogância PS, do “habituem-se” e do “diabo”, que o primeiro-ministro foi alimentando enquanto a sua maioria se ia diluindo.
Se fizermos uma rápida e desapaixonada avaliação deste quadro, os resultados eleitorais trouxeram poucas novidades, embora o universo dos comentadores ia dando sinais do desfasamento entre as opiniões pública e publicada. Na noite das eleições, Pedro Nuno dos Santos arrumou, de forma pragmática, a questão, mesmo antes da contagem final dos votos, acabando com o tempo da tática e estilo de António Costa, assumindo a derrota, a liderança da oposição e reduzindo o espaço, sempre muito criativo, dos fazedores de cenários.
Ainda assim, aceitou reunir com as esquerdas, numa iniciativa de Mariana Mortágua, que procura a “unidade da esquerda para combater a direita”. Uma linha seguida pelo Livre, de Rui Tavares, que entusiasmado com a eleição de quatro deputados ainda sonha com um governo à esquerda. Quanto ao PCP, mesmo sem conhecer o Governo, e muito menos o seu programa, já anunciou a rejeição. Ainda há quem alimente a patética ideia de esquecer a existência do Chega, fazendo de conta que não têm no parlamento 48 deputados.
Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro perceberam que as manobras de entretimento, neste caso, de pouco servirão e, por isso, um anunciou que assumirá a liderança da oposição e o outro que aguardava ser indigitado primeiro-ministro. Um governo liderado por Pedro Nuno Santos, como as esquerdas desejam, seria imediatamente chumbado pelas direitas (incluindo a extrema-direita), em clara maioria no Parlamento.
O PS assume ficar contra o Governo e contra o Chega, mas aceitando participar em reuniões de “prova de vida” que a nada conduzem, gerando a ideia que está a caminhar por atalhos demasiadamente estreitos e que poderão ter consequências complexas. Já a AD prepara-se para constituir um Governo, em “minoria absoluta”, com capacidade técnica e sensibilidade política e social para fazer caminho, com pontes, em diálogo com todos no Parlamento. Porque o “não é não” ao Chega apenas se aplica ao Governo, o que não impede uma governação com acertos e acordos, lei a lei, gerando um clima favorável no respeito democrático por todos os deputados eleitos e com a mesma legitimidade.
Se a AD conseguir seguir este guião, com medidas de combate à corrupção, baixando alguns impostos, comprometendo-se a subir pensões, resolvendo a questão dos subsídios aos profissionais da segurança, sem esquecer intervenções na saúde, educação e habitação, liberta-se da pressão e cria um clima favorável ao castigo eleitoral de quem o derrubar. Pode assim caminhar para recusar o apoio, mesmo que tático, do Chega, dramatizar a situação e encostar o PS para a área da irresponsabilidade, gerando instabilidade.
A AD deverá assumir uma postura exigente nas respostas ao populismo de André Ventura, mas reconhecendo-lhes os mesmos direitos que qualquer outro partido, ainda mais ocupando uma das vice-presidências da Assembleia da República. As eleições Europeias serão o teste do algodão. Até lá, espera-se uma AD a dramatizar, um Chega a querer crescer e um PS desorientado, sem saber o que fazer.