Num país como Portugal, onde se apregoa a coesão territorial como uma das mais importantes bandeiras da atualidade, nem sempre a teoria coincide com a prática.

A coesão territorial constrói-se, não se impõe. E constrói-se quando os decisores, responsáveis pela implementação de políticas públicas, procuram articular e capitalizar os contributos de todos os atores relevantes, desde as pessoas a nível individual às respetivas comunidades onde se inserem e aos grupos de interesse que representam, passando pelas autarquias locais, entidades intermunicipais e áreas metropolitanas.

Sabendo que um dos maiores desígnios da União Europeia para o futuro quadro de programação é alcançar uma Europa mais próxima dos cidadãos, lamenta-se que Portugal se “atropele” em burocracias e imposições de cima para baixo.

Se atentarmos na regulamentação e documentação europeias, nomeadamente, no que se refere aos Fundos Europeus, espera a Comissão Europeia que os Estados Membros sejam capazes de “convocar” a participação dos cidadãos e de partilhar responsabilidades na implementação de políticas públicas, atribuindo-lhes os recursos necessários para proporcionar a criação de respostas e soluções para os diferentes desafios que identificam nas suas comunidades. O Desenvolvimento Local de Base Comunitária (DLBC) é um dos instrumentos preconizados para atingir este objetivo.

Dando sequência a um histórico de mais de 30 anos, a legislação europeia é inequívoca ao nomear os Grupos de Ação Local (GAL) – as parcerias representativas dos diferentes grupos de interesse dos territórios e que têm uma Voz Territorial Comum – como os únicos interlocutores para a condução do DLBC.

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A título de exemplo, nos municípios de Mafra, Sintra e Loures, por força das limitações europeias, só foi possível ter um GAL (sob gestão da A2S – Associação para o Desenvolvimento Sustentável da Região Saloia) no último quadro de programação, mas o seu reconhecimento só veio comprovar que é na proximidade que as pessoas participam. Até ao momento, já foram aprovados mais de 250 projetos na região saloia, com apoios no valor de 8,5 milhões de euros, e existem dinâmicas e ligações territoriais que nunca ocorreriam sem a sua presença permanente no território e sem a qualidade do trabalho que o GAL desenvolve diariamente de e com as pessoas.

É, pois, com perplexidade que, na preparação do futuro quadro comunitário, se apele à “necessidade de ganhos de escala”, percorrendo um caminho que prevê fusões dos GAL, ajustando-os ao nível das Comunidades Intermunicipais e Áreas Metropolitanas.

Como pode uma entidade que atua num território composto por uma ou duas dezenas de municípios assegurar que a Europa está mais próxima dos cidadãos?

Que espaço existe para o trabalho capilar desenvolvido pelos técnicos de desenvolvimento local dos GAL, que garante que os apoios comunitários chegam aos empresários de pequena escala ou às coletividades locais das nossas zonas rurais, que não possuem as competências ou os recursos necessários para responder às dificílimas exigências da máquina burocrática dos fundos europeus?

Confunde-se o processo de descentralização de competências nas Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional em curso com os instrumentos específicos criados exclusivamente para as comunidades. Abandona-se, assim, uma intervenção multissetorial e integrada que tem, como principais ferramentas, a proximidade, a animação territorial e o apoio técnico e financeiro direto aos promotores de projetos, impulsionando as economias locais.

É igualmente com estupefação que se assiste a uma redução substancial da dotação para este instrumento, num claro desperdício daqueles recursos que estão mesmo ali, diariamente e em cada território, a criar projetos, a consolidar redes, a valorizar os recursos endógenos, a apoiar as comunidades locais e a inovar.

Desvalorizar uma rede que abrange quase todo o país e milhares de organizações da sociedade civil é desaproveitar recursos que poderiam ser mobilizados de forma eficaz, em temas tão prementes como a alimentação, o desenvolvimento rural, o ambiente, a floresta, a economia circular ou a cultura junto dos que mais precisam: micro empreendedores, entidades de interesse coletivo, pequenos agricultores, empreendedores sociais, entre outros.

Assim, parece indispensável que os responsáveis políticos revejam a forma de implementação do DLBC, não subvertendo o espírito original com que foi criado nas instâncias europeias, bem como as potencialidades já existentes no terreno, promovendo a aproximação dos cidadãos à Europa.

Que não nos falte a visão estratégica. Que saibamos tirar partido dos recursos que temos à nossa disposição em cada território. Que não se deite fora décadas de trabalho de proximidade em prol das nossas comunidades.

Pelo reforço da coesão nacional, não “matem” os GAL.