Assistimos nos dias de hoje a uma onda gigante de mudança. Num ano em que vimos, sem qualquer aviso prévio, a vida de tantas pessoas e de tantas empresas a ter de parar, de se reprogramar e de se reinventar, fomos obrigados a aceitar e a trazer para as nossas vidas novas ferramentas digitais. Mesmo os mais conservadores e céticos não lhes puderam voltar as costas. Não existiu outra forma. Foi o instinto de sobrevivência. O Governo percebeu isso e deu importantes passos na desmaterialização de muitos procedimentos. Veja-se o caso das declarações online de nascimentos e óbitos, ou as comunicações processuais eletrónicas (como videochamada) de processos urgentes nos Julgados de Paz, ou, mesmo, as comunicações eletrónicas para efeitos de pedidos de registo ainda não disponíveis online.

Volvidos mais de seis meses sobre o primeiro caso de Covid-19 em Portugal, constatamos, porém, sem qualquer explicação por parte do Governo, que algumas das medidas mais inovadoras e disruptivas anunciadas como forma de dar resposta às limitações impostas pela pandemia, não avançaram. Porquê? Ninguém sabe. Falo, especificamente, da simplificação dos atos autênticos à distância, como a compra e venda de imóveis, procurações, hipotecas, divórcios, habilitações de herdeiros e outros, até aqui sujeitos a reconhecimento presencial. Como alguns poder-se-ão recordar, no passado dia 7 de maio, o Conselho de Ministros aprovou o decreto-lei que estabelecia um regime experimental para a realização à distância desses atos, regime esse a vigorar até 30 de setembro de 2020, sendo posteriormente reavaliado. Chegados a outubro, nunca mais se ouviu falar do regime experimental – que nunca chegou a entrar em vigor – ou de um definitivo.

O diploma foi projetado, foi pensada e estruturada uma solução credível e segura, com recurso à plataforma digital da justiça, de modo a ser gravado o registo audiovisual e assegurada a identificação dos outorgantes. Esse diploma chegou, inclusivamente, a ser apreciado pela Ordem dos Notários que, não obstante ter apresentado algumas propostas de aperfeiçoamento do diploma, concordou com a medida. Ainda assim, a mesma, estranhamente, não avançou.

Ora, se dúvidas houvesse sobre a eventual extemporaneidade desta medida, parece evidente concluir que, numa altura em que os números indiciam a tão falada “segunda vaga”, a medida não só é útil, como urgente. E não colhem argumentos financeiros ou de segurança jurídica. Já há muito que assistimos à simplificação de contratos à distância e de registos de outra natureza, através de assinaturas digitais, pelo que apenas é preciso replicar e conjugar receitas.

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É uma realidade inevitável, quer queiramos quer não, e a Portugal impõe-se reagir com celeridade também no mercado imobiliário. Se fomos pioneiros em tantas outras ferramentas tecnológicas, como aconteceu, por exemplo, nas transações eletrónicas do setor bancário, também temos de ser arrojados e competitivos num setor tão importante para o país como o imobiliário.

Numa altura de queda do número de transações, é preciso criar medidas inovadoras de simplificação. Podemos discutir sobre se os preços vão baixar ou não, sobre se deve ou não recair sobre o Estado o dever de redistribuir melhor a oferta entre outras tendências do mercado, mas todos seremos da opinião que é preciso continuar a atrair investidores para uma rápida recuperação da economia.

Para isso, o Governo não pode deixar na gaveta uma medida como esta, que tanto impacto positivo poderá trazer ao setor e, por inerência, ao país. Em tempos difíceis, deve apoiar-se um dos motores da economia, simplificando em vez de criar entraves aos avanços da era digital no setor.