Segundo a Wikipédia, São Lucas é “o santo padroeiro dos pintores, médicos e artistas”. Pelos vistos, São Lucas sempre foi astuto no que toca às artes e medicina, bem como na forma como previu o fracasso da ideia de um jovem que pretendesse sair cedo de casa dos pais.
Já lá vão cerca de 1960 anos desde que São Lucas escreveu a célebre Parábola do Filho Pródigo, que conta a história de um filho que saiu de casa dos pais na flor da idade, tendo depressa gastado todo o seu dinheiro e vendo-se obrigado a voltar para o seu lar para sobreviver. O que São Lucas não menciona na sua obra é o montante que o jovem terá levado consigo. Eu proponho duas opções: na primeira hipótese, o jovem, apesar do elevado montante que levara, não tinha a capacidade de fazer a melhor gestão do seu dinheiro e, depois de o ter gastado na totalidade, teve de regressar a casa dos pais; já a segunda (a minha favorita e, a meu ver, a mais realista) é que o filho era um cidadão português, pelo que as suas poupanças eram tais que não permitiam que este se emancipasse, nem sequer por dois meses. Seja como for, São Lucas era um visionário.
Em todo o caso, Portugal tem-se esforçado suficientemente para seguir a “Palavra do Senhor”. Parece que aquela a que muitos chamam “geração mais bem preparada de sempre” afinal não tem as melhores condições para se acercar dos centros de decisão que deveriam por si ser ocupados e o paradigma está longe de mudar, ainda para mais com a crise que atualmente se faz sentir.
Atualmente, Portugal é já o quinto país da União Europeia onde os jovens mais tarde saem de casa dos pais e esta posição poderá ser adensada por vários fatores, de entre os quais as pressões inflacionistas que se vivem atualmente, o aumento das taxas de juro, os baixos salários e a consequente perda de poder de compra. Nesse sentido, apesar do impacto geral, a atual conjuntura económica tem tido repercussões mais expressivas para aquela que é a fração da população mais empobrecida e com menos recursos, na qual se incluem os jovens, quer sejam eles menos ou mais qualificados.
De facto, as expectativas de inflação a 5 anos subiram 2 p.b. na última semana na Zona Euro para 2.099%, aproximando-se dos máximos desde fevereiro de 2012, sendo que, em julho, a variação homóloga do IPC em Portugal atingiu 9,1%, o valor mais elevado desde novembro de 1992. Em resposta a estas pressões, os Bancos Centrais têm, assim, optado por elevar as taxas de juro diretoras de forma a atenuar a subida do nível de preços. Deste modo, o crédito ficará mais encarecido, sendo que tais condições financeiras mais restritivas tenderão a gerar uma queda nos gastos do consumidor em alguns setores económicos, devido ao aumento do custo de vida, fazendo com que exista uma menor procura e, por conseguinte, menores preços.
Contudo, tal pode não só encarecer o custo do crédito à habitação, por exemplo, mas levar igualmente a um aumento do receio dos bancos em o conceder a compradores que não tenham uma situação financeira e laboral estável, o que dificulta ainda mais a emancipação jovem. É necessário, por isso, perceber se, neste momento, existe maior necessidade de políticas fiscais restritivas e focadas no combate à inflação ou de políticas que efetivamente mitiguem uma eventual recessão, como a que parece iminente nos EUA, com programas de investimento público expansionistas e com políticas de rendimento que preservem o poder de compra, servindo os interesses dos jovens.
Neste sentido, dada a conjuntura atual de escalada das taxas de juro, o cenário mais provável será aquele em que o “filho pródigo” nem sequer deixa a casa dos seus pais, a não ser que exista um ajustamento salarial, o que a curto prazo dificilmente acontecerá. Assim, e de acordo com o estudo Estado da Nação sobre Educação, Emprego e Competências em Portugal, existiu entre 2011 e 2019 uma perda de salário de 11 p.p. em geral e de 15 p.p. no caso de jovens recém-licenciados. O mesmo estudo afirma, ainda, que para empregos cujos requisitos são qualificações médias, existiu uma perda salarial de 3 p.p. e para empregos cujos requisitos são qualificações superiores uma perda de 11 p.p. O único escalão onde se verificou uma subida foi no das qualificações baixas, onde houve um crescimento de 5 p.p. Justifica-se, deste modo, a meta colocada pelo Governo em aumentar os salários médios, na medida em que a realidade é que a “geração mais qualificada de sempre” é também a geração mais precária de sempre.
Entretanto, se, por um lado, o busílis para o aumento dos salários parece estar na produtividade, facto é que esta tem sido a questão que menos consenso tem gerado, dado que, para as empresas, o aumento dos salários apenas poderá surgir em consequência de mais produtividade dos seus funcionários, sendo que, para estes, a produtividade apenas será maximizada perante uma melhor remuneração. Até que as entidades empregadoras efetivamente aumentem os salários dos seus colaboradores, o melhor mesmo é ouvir São Lucas e ficar por casa dos pais, enquanto se procura um bom psicólogo no Google. Pena que em 60 d.c. ainda não existisse Internet.