Uma vez mais, estas eleições autárquicas, como outras de que me lembro, são motivo de grande desgosto. Esta antecipação vem acompanhada de uma grande, porém já muito clássica, frustração.
No passado ano de 2020 segui atentamente as eleições presidenciais americanas e, mesmo vivendo do outro lado do Atlântico, acompanhei-as ferverosamente, como se fossem as do meu País. Fiquei acordado até muito tarde para ver os debates, para saber em primeira mão as trocas e o nível dos argumentos de parte a parte. Naquela semana de apuramento dos resultados não havia aula prática ou teórica em que a CNN ou a Fox News não estivessem em livestream no meu computador, para ser o primeiro a ficar a saber qual o mais recente estado adicionado à conta dos azuis ou dos vermelhos.
Eis-me neste entusiasmo, e admito, com toda a honestidade, também com uma pequena dose de arrogante frustração, a encontrar-me sozinho, perdido e naufragado num mar de desinteresse intelectual e cívico (mesmo que estas eleições, pouco ou nada nos diziam, a nós, Portugueses). Qual não é o meu espanto quando a frase “esta alínea é importantíssima para o exame, atentem neste limite”, faz-me desviar a atenção do ecrã abusadamente preenchido pela CNN, para olhar para o quadro e encontrar os meus pares a fazer exatamente o mesmo que eu. Todos com os seus tablets e computadores, telemóveis e afins ligados, a acompanharem minuto a minuto estas que eram “as eleições da década”. Um novo estado adicionado à conta dos republicanos ou dos democratas era fugazmente acompanhado de um tímido burburinho geral. Rapidamente, apagou-se o incêndio do meu ego inocentemente presunçoso.
Deparo-me, logo de seguida, com a seguinte questão, “Mas porquê é que não tenho disto aqui em Portugal?” Podem apontar, é claro, que este tipo de vivência, não pode fazer parte do bom funcionamento de uma democracia sã, com todos os seus populismos, clubismos e histerismos, telenovelas e desrespeito pelas próprias instituições da democracia! Mas concedo também, secretamente, desejar um bocado mais de drama.
Evoco antes algo bastante mais romântico. Onde se perdeu a politização da sociedade e da juventude em específico? Quero de volta as associações de estudantes barulhentas e revoltadas, a la Mai 68. Chega do primado dos tecnocratas civicamente estáticos e emocionalmente congelados! Quero bandeiras e cartazes a desfilarem pelas ruas das grandes cidades, que não sejam só compostas por jotinhas e sindicatos. Quero autocolantes a dizer “Soares é fixe” nas mochilas dos meus colegas e hinos de campanha a serem entoados em anfiteatros improvisados pelas cidades deste nosso país. Isso! É isso mesmo que eu quero e o que eu dava para que uma máquina do tempo me levasse a 1986 para viver essas presidenciais como se, também fossem minhas. Quero o brilho dos olhos dos meus pais quando essas eleições são tema de conversa estampado na cara dos meus pares. Quero faculdades ocupadas em protesto, quero altercações, conversas, debates e partilhas nos locais de ensino de Norte a Sul, clandestinas, se necessário, para que a ilegalidade do ato alicie e atraia mais pessoas. Esta anemia política não pode continuar. Temos de trazer a pólis de volta!
Quero vibrar, juntamente com eles, os meus pares, nestas e em todas as outras eleições que se seguirem, porque isso também é celebrar a democracia, o poder do demos.