Quando era pequena, tinha uma malinha de brincar com alguns instrumentos médicos que adorava. Fingia que os meus pais eram os meus doentes e lá andava eu, a observá-los, a auscultá-los, a inventar curas como só as crianças sabem fazer. Contudo nunca pensei muito em seguir uma profissão na área da saúde, nunca foi algo em que perdesse muito tempo a pensar.

Os meus pais diziam muitas vezes o típico “segue o teu coração, faz o que te fizer feliz”, mas não tinha encontrado nada em que me imaginasse a trabalhar nos próximos 40 ou 50 anos… Até umas férias de verão. Devia ter 15 ou 16 anos, onde passei as férias em casa dos meus avós a fazer tudo aquilo que faço hoje: cuidar. Depois da morte de ambos, percebi que tinha encontrado um propósito e um sentido naquilo que queria fazer. É um certo cliché, mas acho que todas as profissões bonitas começam com um. E este foi o meu.

Quando decidi seguir enfermagem, não tinha mesmo a noção do que é ser enfermeiro. É cuidar, sim, mas é muito mais do que isso. E todos os estágios que realizei criaram uma perspetiva diferente da profissão em si e levaram-me por várias áreas e especialidades. No fundo, criaram a minha perspetiva de enfermagem. Quando me licenciei percebi que só queria trabalhar numa especialidade, a que sempre me fascinou. Não pensei é que fosse levar tão à letra a mensagem dos meus pais, “seguir o meu coração” e acabar num serviço de cardiologia.

O trabalho de um enfermeiro, no geral, mas especificamente num serviço de internamento em cardiologia, joga muito com duas vertentes. Uma é mais técnica, prática, de raciocínio clínico, onde a linguagem hospitalar passa a ser o nosso dia a dia e temos de conhecer as patologias como a palma da nossa mão. Temos de saber o que fazer, como intervir, como administrar. E, muitas vezes, só temos dois ou três segundos para o fazer.

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Mas o nosso trabalho depende disso mesmo, ao sermos submetidos a uma vida baseada na arte do cuidar, do ajudar, do socorrer e temos de saber agir rapidamente e em conformidade. Desde doenças crónicas a agudas, de internamentos prolongados a outros muito breves, das patologias mais graves às menos graves, todas merecem o melhor cuidado, e para isso temos de ter os conhecimentos científicos necessários.

Se um jovem de 25 anos tiver tido uma paragem cardiorrespiratória, se um senhor de 70 anos for implantar uma válvula, se uma senhora de 50 anos tiver um enfarte ou se um jovem de 35 anos colocar um pacemaker, um enfermeiro da Cardiologia sabe o que fazer, como intervir, o que administrar. O diagnóstico não interessa, o trabalho e dedicação é o mesmo.

O conhecimento é uma grande fatia daquilo que é a nossa profissão. Afinal, temos vidas que dependem de nós. Mas não é tudo, e a outra vertente é talvez das mais especiais e bonitas que a enfermagem tem. Acho que um bom enfermeiro tem de ter uma capacidade de empatia e gestão emocional muito grande, não só para lidar com as situações dos doentes que tem diante de si, mas também para se colocar no lugar do outro e humanizar os cuidados.

Não há palavras que consigam descrever o esforço que é necessário quando estamos rodeados de morte e doença e temos de entrar no próximo quarto com um sorriso na cara. Mas, apesar de tudo, é muito gratificante saber que o nosso esforço e a nossa dedicação têm impacto na vida dos utentes.

Temos histórias que nos enchem o coração. Como a de uma senhora que esteve internada durante muitos meses, e que ainda hoje se dirige ao hospital para visitar a “sua família temporária”… Ou, outro senhor, que depois de um internamento prolongado e muito difícil teve alta com direito a uma festa de despedida no fim do turno da noite. E, apesar de estarmos exaustos de um turno nada fácil, não deixámos passar a data e ficamos para festejar a saída do utente. E são estes momentos que valem a pena, é dar um bocadinho de nós para preencher um bocadinho do outro.

Se muitas vezes temos mais baixos que altos? Sim, frequentemente. Se aprendemos a almoçar em dez minutos? Também. Se a nossa vida social muitas vezes está por um fio porque usamos repetidamente a resposta: “Desculpa, não posso, estou a trabalhar”? Sem dúvida. Mas ainda assim, sei que estou na profissão mais gratificante. Os enfermeiros sacrificam-se diariamente para deixar as nossas famílias e cuidar da família dos outros. E fazem-no tão bem.

Profissão do coração ou de amor? Seguramente, uma profissão do coração, mas principalmente uma profissão de amor.

Leonor Soares trabalha no Serviço de Cardiologia do Hospital de Santa Cruz, em Carnaxide. É licenciada pela Escola Superior de Enfermagem de Lisboa e realizou o seu estágio final na Unidade de Cuidados Intensivos Coronários do Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca. 

Arterial é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com doenças cérebro-cardiovasculares. Resulta de uma parceria com a Novartis e tem a colaboração da Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca, da Fundação Portuguesa de Cardiologia, da Portugal AVC, da Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral, da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose e da Sociedade Portuguesa de Cardiologia. É um conteúdo editorial completamente independente.

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