Imediatamente após o anúncio da suspensão das aulas presenciais nos estabelecimentos de ensino em todo o país, assistimos a uma onda de interesse generalizado (para não dizer pânico generalizado) pelo Ensino à Distância e pelas ferramentas que permitissem aos alunos continuar o seu processo de aprendizagem, mesmo que longe do ambiente escolar. Subitamente, as escolas procuraram soluções nas várias plataformas digitais existentes, de forma a mitigar os efeitos de um período relativamente alargado (ainda ninguém sabe ao certo quanto tempo) em que os alunos não terão as aulas ditas normais.
Apesar das duas principais editoras terem aberto as suas plataformas gratuitamente a todos os alunos, pais e educadores e de professores de todos os níveis de ensino terem procurado, numa espécie de ação-relâmpago, “formação” em cursos online, em vídeos do YouTube ou junto de colegas e escolas que já utilizam estas ferramentas há algum tempo, a verdade é que o desafio é hercúleo. E como qualquer desafio hercúleo, não está ao alcance de todos, na medida em que exige alguns conhecimentos de base, tanto ao nível da própria utilização das ferramentas, como na aplicação pedagógica das mesmas, mas também a recursos que, na sua grande maioria, não são acessíveis à generalidade das pessoas.
O crash das plataformas, logo na segunda-feira, às quais repentinamente professores e alunos começaram a aceder, “entupindo” os servidores, mostra-nos as duas faces deste problema: por um lado, professores, pais e alunos querem encontrar uma solução que permita dar alguma continuidade ao processo de aprendizagem, mas por outro, as infraestruturas tecnológicas existentes não estão preparadas para uma quantidade de acessos em massa por parte dos utilizadores.
Depois, há o próprio conhecimento e prática no uso dos dispositivos e das ferramentas. De um dia para o outro, ferramentas de aprendizagem e de colaboração como o Office365 ou o Google Classroom, plataformas de recursos educativos como a Escola Virtual, Aula Digital, Khan Academy ou ferramentas de avaliação como o Forms, o Edmodo ou o Socrative saíram de um quase anonimato para o centro do debate no seio da comunidade de professores.
Quem está envolvido em projetos de inovação pedagógica e tecnologias educativas sabe bem o quão difícil é disseminar a sua utilização pelas escolas, não apenas porque há uma resistência à mudança inerente à própria condição humana (que como é óbvio, não é exclusiva dos professores), mas também porque a própria sociedade não concebe ainda outras formas de ensinar, outras formas de aprender. Por isso mesmo, o que se tem assistido ao longo dos últimos anos é a pequenas ilhas de inovação em que algumas escolas, ou alguns professores dentro de uma determinada escola, ousam fazer diferente, normalmente, com muito bons resultados, tanto nas aprendizagens, como na relação dos alunos com a Escola.
Apesar das boas intenções de todos e do notável esforço que podemos observar na comunidade educativa, a verdade é que uma mudança desta magnitude e a adoção de estratégias de ensino e aprendizagens que pressuponham outro tipo de interação pedagógica não se processam de um dia para o outro. São necessárias horas de formação de docentes na compreensão das ferramentas e das suas potencialidades, são necessárias inúmeras sessões de esclarecimento a pais e encarregados de educação, de forma a que estes compreendam os benefícios de outras abordagens na aprendizagem dos seus educandos e acima de tudo, são necessários meses, ou até anos de implementação de modelos que fujam do habitual ensino unidirecional, centrado no professor, em que os alunos estão numa sala, virados para a frente e todos realizam as mesmas tarefas, ao mesmo ritmo, com o objetivo de alcançarem todos uma mesma meta (mesmo sabendo que tal é impossível).
Assim, o que assistimos nestes dias, na maioria dos casos, é a uma tentativa de transportar esse modelo tradicional para o mundo virtual, privilegiando o ensino instrucional através de vídeos online e uma avaliação através de testes estandardizados iguais para todos. Mas a sociedade que temos e os desafios que esta nos coloca agora e nos colocará no futuro exigem muito mais.
Por isso, receio que se perca uma oportunidade de pensar num modelo híbrido, que junta a instrução, mas também a partilha de ideias, a investigação, a pesquisa, a exploração de recursos digitais e a criação de produtos por parte dos alunos, um modelo em que o estudante possa aprender ao seu ritmo, mas que também trabalhe em projetos bem definidos no tempo e com critérios de avaliação rigorosos que, entre outras competências, promovam a excelência, o rigor e a responsabilidade.
Todos sabemos que é em contexto de adversidade que, muitas vezes, a inovação floresce. Por isso mesmo, resta-nos olhar com esperança para os momentos que vivemos e esperar que a situação pela qual estamos a passar obrigue decisores políticos, escolas, professores e sociedade em geral a pensarem noutros modelos de ensino-aprendizagem, noutros recursos educativos, noutras formas de interação social e noutros instrumentos de avaliação, na construção de uma Educação mais ajustada ao mundo em que vivemos.
No fundo, é olharmos todos para este momento como uma oportunidade para repensar e transformar a Educação à escala global… mas de uma forma ponderada, discutida e bem planeada. Porque mudanças na Educação, como Roma e Pavia, não se farão um dia!
Professor e Diretor Pedagógico no Colégio Monte Flor
‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.