A mais recente edição da revista semanal The Economist dedica 12 páginas (e um dos cinco editoriais) ao tema da “Educação Privada”. Os dados contidos no estudo e os argumentos desenvolvidos pela revista certamente surpreenderão os que entre nós teimam em opor o interesse público ao ensino privado. Vale a pena rever brevemente este excelente trabalho de The Economist.

O ponto de partida reside no crescimento acentuado, à escala mundial, do ensino privado nos últimos 15 anos: de 10 para 17% no caso do ensino primário; de 19 para 27% no ensino secundário. Este crescimento é particularmente acentuado nos países em vias de desenvolvimento, como a Índia, China, Paquistão ou Vietname, entre outros. Na Índia, o sector privado educa actualmente metade dos alunos, e mais de um terço no Paquistão.

Estes dados poderiam levar a pensar que se trata de um fenómeno do mundo em vias de desenvolvimento. De facto, o crescimento vigoroso do ensino privado nos últimos 15 anos tem ocorrido sobretudo nos países pobres que entretanto encetaram a chamada “descolagem” (da pobreza) através do crescimento económico. O aumento da procura pelo ensino privado exprime, antes de mais, a expansão das classes médias e a elevação da sua ambição “melhorista” — a ambição de melhorar a sua própria condição e das suas famílias, parafraseando Adam Smith.

Mas o fenómeno não se reduz aos países em vias de desenvolvimento. Nos EUA , a partir da década de 1990, teve lugar um vigoroso movimento das chamadas “Charter schools” — escolas que são geridas privadamente mas em que os alunos recebem “vouchers” públicos para pagar as propinas. O número de alunos nestas escolas cresceu de 400 mil no ano 2000 para 2,8 milhões em 2015.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Um fenómeno semelhante teve lugar no Reino Unido, com as chamadas “Academias” e “Escolas Livres” (também elas geridas privadamente, com “vouchers” públicos para cobrir as propinas). Cerca de três quartos dos alunos britânicos do ensino secundário e um terço dos alunos do ensino primário frequentam hoje estas escolas. Na Holanda, três quartos dos alunos frequentam escolas privadas, na maior parte dos casos pagando as propinas com fundos públicos. E os exemplos podiam continuar (para a Suécia, o Chile e muitos outros casos que The Economist analisa com algum detalhe).

No plano conceptual, a questão interessante é a seguinte: se tantas pessoas em tantos países procuram cada vez mais o ensino privado, como explicar a oposição de tantos políticos e de tantos intelectuais ao ensino privado em nome do interesse público?

A razão em regra apresentada é a da desigualdade inerente ao ensino privado: apenas os mais ricos têm meios para pagar as propinas no ensino privado. Isso gera uma evidente desigualdade entre os que “têm mais e podem mais” e os que “têm menos e podem menos”.

Este é certamente um argumento razoável — ainda que deva ser atenuado pelo confronto com o facto de muitas famílias de classe média e média-baixa (não propriamente “ricas”) estarem na origem do crescimento do ensino privado dos últimos 15 anos.

Mas basta uma breve pausa de reflexão para entender que, se esta desigualdade de acesso fosse o real problema, a solução óbvia seria simples: financiar publicamente os alunos que precisam (e merecem, de acordo com os seus resultados escolares) de forma a poderem pagar as propinas nas escolas privadas. Esta é, aliás, a solução inerente às “Charter schools” nos EUA, às “Academias” no Reino Unido, e a grande parte das escolas privadas na Holanda.

O real problema deve por isso residir noutro lugar. Creio que se chama também desigualdade, mas é uma desigualdade de tipo diferente da do acesso ao ensino privado. Trata-se da desigualdade de resultados em regra produzidos pelo ensino privado — que em regra são melhores do que os resultados produzidos pelo ensino estatal. Mesmo quando não são melhores, no entanto, a simples existência de ensino privado, gerido descentralizadamente e em concorrência com o sector estatal (este em regra gerido centralizadamente) contém em sim mesma a possibilidade de obter resultados diferentes, com métodos diferentes, com opções diferentes.

 

Por outras palavras, não se trata de opor ensino privado e ensino estatal. Trata-se de compreender que a concorrência entre ambos fornece o estímulo mais eficaz para a melhoria dos padrões e dos resultados educativos.  A simples existência de ensino privado descentralizado contém a possibilidade de concorrência e de resultados desiguais — que podem depois ser comparados e fonte de melhoria para todos.

Como argumenta The Economist, o ensino privado não se opõe ao interesse público. Pelo contrário, a liberdade e até o apoio ao ensino privado podem estar ao serviço do interesse público.