Uma das críticas mais contundentes que se fazem aos governos de António Costa é a falta de reformas. É uma crítica injusta, diga-se. Há vários casos de membros do Governo que estiveram bem nesse âmbito. Por exemplo, João Leão, enquanto ministro das Finanças, tratou de uma importante reforma. Nomeadamente, da sua.
Agora que saiu do Governo, Leão vai ocupar o posto de vice-reitor do ISCTE e dirigir o Centro de Valorização de Transferência de Tecnologias (CVTT), um organismo que receberá 5,2 milhões de euros do Orçamento de Estado, directamente da dotação do Ministério das Finanças. Ou seja, enquanto vice-reitor, Leão vai gerir o dinheiro que se atribuiu enquanto ministro. Para quem acaba de sair do Governo, é uma óptima reforma. E merecida. Afinal, para a receber, Leão fez todos os descontos necessários. Descontou no orçamento da Saúde, descontou no orçamento da Educação, descontou no orçamento da Segurança Social. E amealhou um pé-de-meia que muito jeito lhe vai dar agora.
Não tenho dúvidas de que Leão é o homem indicado para comandar a Valorização de Transferência de Tecnologias. Repare-se naquilo que acabou de fazer: pegou na tecnologia da máquina fiscal que saca dinheiro aos contribuintes e transferiu-a para o ISCTE, onde irá valorizar bastante.
Agora, há que reconhecer que os 5,2 milhões de euros são uma quantia escandalosa. É muito pouco. Mesmo sabendo que o ISCTE é composto maioritariamente por sociólogos, gente conhecida por ser poupada – basta ver como rodam entre si o mesmo blazer de veludo cotelê castanho, comprado numa loja de roupa em 2ª mão – como é que esperam que João Leão consiga gerir os oito centros de investigação, dez laboratórios e três observatórios que, segundo as notícias, compõem o CVTT? Sabendo que cada centro, laboratório e observador têm um director, dois sub-directores, duas secretárias, quatro técnicos, dois informáticos, um contínuo e três motoristas, imagine-se o gasto só em multas por excesso de velocidade.
Já para não falar do papel timbrado. Estoira-se metade do orçamento nisso. É preciso estacionário para o CVTT, estacionário para cada um dos 8 centros, estacionário para cada um dos 10 laboratórios, estacionário para cada um dos 3 observatórios. E, claro, estacionário para produções conjuntas intra-CVTT que possa haver. Se o centro nº 4 pretende estudar uma hipótese, pede ao laboratório nº 7 para a testar e ao observatório nº2 para a registar, isso implica um cabeçalho novo para os documentos oficiais, cartões de apresentação novos, envelopes novos. São centenas de combinações possíveis, milhares de tinteiros gastos.
No fundo, se formos a fazer as contas, João Leão até foi modesto. Aliás, conseguir administrar um Centro destes com tão parco orçamento demonstra um uso judicioso de dinheiros públicos, muito pouco habitual. Deve até ser um caso de estudo. Aliás, provavelmente já é. O ISCTE há-de estar a pagar a uma equipa multidisciplinar de académicos para investigarem esta hipótese. Esperemos resultados lá para 2035.
Há quem questione se não será ilegal um ministro das Finanças poder atribuir dinheiro ao organismo que vai tutelar depois de sair do Governo. É óbvio que não. Mesmo que, por absurdo, se ilegalizasse a estupidez, não seria prático condenar os 10 milhões de estúpidos.
Enfim, já devíamos estar à espera de qualquer coisa deste género. Quinze dias depois de Chris Rock ter feito uma piada com a falta de cabelo de Jada Pinkett Smith, os carecas desforram-se e João Leão goza com um país inteiro.