A situação actual é a mais difícil que qualquer governo teve de enfrentar depois do 25 de abril de 1974. Mesmo a bancarrota de 2008, que o governo de Passos Coelho teve de superar, era apenas dinheiro, ficámos mais pobres, o desemprego subiu abruptamente, a emigração disparou, os juros da dívida comiam-nos o suor do dia, podíamos não saber o que iria ser o dia de amanhã, mas não havia distanciamento social, máscaras e luvas, contagem diária de infectados e de mortos, medo por nós e a família. Tínhamos todas as ruas do mundo para passear, apanhar sol e liberdade de circulação, ir aos hospitais sem medo de ficar pior do que quando lá entrámos, jantar com a família ou amigos numa esplanada, enfim, viver como sempre fizemos.

Hoje, o cenário é bastante diferente, estamos em guerra. Sim, estamos em guerra com uma coisa inteligente, como alguém com posição nos afirmou. É coisa, o Covid-19, não é animal, vegetal nem mineral. Para o efeito tanto dá. Não se vê, portanto, pode estar ao nosso lado, sem sabermos e num ápice entra-nos para os pulmões. E esta guerra trava-se em duas frentes, a da saúde e a da economia. Como ambas partilham os mesmos actores, as pessoas, é aqui que as coisas se complicam para o governo.

Neste momento a frente da saúde tem prioridade, ainda bem, portanto, o objectivo táctico é reduzir a propagação da dita coisa, de forma a que o número de infectados seja o menor possível, e consequentemente, os que precisam de apoio hospitalar. Na linguagem oficial, agora em voga, significa aplanar a curva, ou numa semântica mais económica, restringir a procura à oferta disponibilizada pelas entidades de saúde, publicas ou privadas. Camas hospitalares, cuidados intensivos e ventiladores são bens escassos com uma logística de obtenção rígida. Ora, reduzir a propagação significa restringir a circulação ao máximo das pessoas, os tais actores partilhados nas duas frentes. Como consequência, temos de momento a frente da economia sobre forte ataque, praticamente sem defesa, estabelecimentos, lojas, fábricas, empresas, empregados, tudo parado. As falências, lay-offs e desempregados são as vítimas deste combate.

Ao primeiro-ministro apresenta-se o popular dilema do cobertor mais pequeno que a cama. Se se puxa para o lado da saúde, destapa-se o da economia, e salvam-se pessoas, mas destrói-se a capacidade produtiva e no inverso mantém-se a circulação económica e o poder de compra, mas morrerão mais pessoas. Parece, pois, evidente que qualquer governo não hesitará no trade-off a realizar, nesta fase, pelo menos. Salvar pessoas é um imperativo e é nesse objectivo que toda a sociedade se deve focar. Dinheiro não será o problema, mais tarde se resolverá, o orçamento rectificativo irá acomodar a despesa. Mas por quanto tempo teremos de combater este flagelo? Para quando a luz no fundo túnel? A credibilidade dos

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modelos utilizados para determinar a curva epidemiológica deixa muito a desejar. Será que realmente alguém sabe quando podemos sair de casa e ir trabalhar?

Na frente da economia, entretanto, são destacadas de forma avulsa as brigadas mitigadoras da crise social que se antecipa para breve. Do seu arsenal constam dois tipos de munições. Os que não implicam aumento da despesa do Estado e, portanto, isentam o deficit do orçamento, os créditos às empresas com aval do Estado, pagamentos diferidos ao Estado, moratórias no pagamento de empréstimos, suspensão do pagamento de rendas, etc. O segundo tipo, tem um alcance e destruição maior no sentido que garantem uma maior estabilidade do rendimento das empresas e famílias e, portanto, destroem os focos emergentes de tensão social, mas comportam um excepcional aumento da despesa pública. Vencimentos parcialmente pagos aos empregados durante o período que as empresas estão fechadas, fundo perdido para empresas e trabalhadores independentes que tenham uma facturação menor que uma determinada percentagem, redução dos impostos cobrados, etc.

Como será fácil de perceber, os montantes da despesa em questão, vão depender da duração da batalha da economia, e esta decorre da decisão política (vontade e capacidade) de utilizar ou não as munições disponíveis no seu arsenal e por quanto tempo. A factura será, porém, sempre assustadoramente gigantesca. Não será fácil a decisão. Mortos, fome, violência nas ruas e desemprego ou dívida.

Estão reunidos no mesmo momento os elementos de uma tempestade perfeita. Aumento significativo das despesas de saúde e adjacentes no combate ao Covid- 19, acréscimo astronómico das despesas de apoio à economia e combate à instabilidade social e por fim uma redução, inimaginável há uns meses, da receita de impostos decorrente da quebra da actividade económica. Dificilmente o governo imaginaria que teria de se confrontar com tamanho desafio. Está entre a espada e a parede.

A emissão de dívida pública surge assim como a única solução para gerar capacidade financeira para sustentar as duas frentes da guerra contra o Covid-19. Quem a vai pagar é a pergunta que se impõe. Sim, porque mesmo a solidariedade europeia dos países mais ricos vai ter se ser paga, mais cedo ou mais tarde. Venha em que forma, tamanho ou duração, chamem-lhe o que quiserem, no fim é para pagar. Pelo menos a taxa de juro vai ser acessível. Abriguem-se as gerações mais novas e as mais velhas, protejam-se dos estilhaços desta guerra, o tempo futuro vai ser de austeridade e de muitos sacrifícios, não se iludam. Mesmo com a coisa defunta a recuperação vai ser longa, a economia é como a mentira, tem a perna curta.

Enfim, o governo tem perante si o dilema que irá determinar o futuro de muita gente, em quanto está disposto a aumentar a dívida pública para ganhar a guerra nas duas frentes? E já agora, não perder as próximas eleições!