Para grande parte dos portugueses, a TAP, fundada em 1945, de uma forma ou de outra, faz parte do património imaterial das marcas nacionais que nos acompanham desde a adolescência e que todos conhecemos. Os accionistas da TAP, SGPS são à data: o Estado Português que detém 50% da empresa, o consórcio Atlantic Gateway 45% e os trabalhadores da TAP 5%. A TAP, SGPS é a accionista única da TAP, SA. (a que possui o negócio da aviação comercial), cujos órgãos sociais, designadamente o Conselho de Administração e a Comissão Executiva, são compostos exclusivamente por membros nomeados pelo consórcio Atlantic Gateway. Estranho modelo de governance que apenas encontra explicação na clamorosa incompetência por parte do Estado.

A TAP, à semelhança das suas congéneres um pouco por todo o mundo, atravessa, hoje, extremas dificuldades financeiras, mais uma vítima da pandemia, pelo que se nada for feito no imediato, mais concretamente uma injecção de fundos, poderá ter de enfrentar um processo de falência.

Com o objectivo de reforçar a gestão de tesouraria a curto prazo, injectando liquidez imediata, foi apresentado pelo Estado português à Comissão Europeia o plano de apoio à TAP, SA, o qual foi aprovado no valor de 1,2 mil milhões de euros. Esta ajuda tem a duração de seis meses e representa, na prática, a possibilidade da empresa se endividar até esse montante, com a obrigatoriedade de reembolsar o empréstimo findo esse período. De referir que a TAP, SA tinha apresentado inicialmente um pedido de 1,5 mil milhões de euros. Para poder beneficiar da ajuda do Estado, a TAP terá de aceitar um conjunto de condições, designadamente a implementação de mecanismos de controlo da aplicação do dinheiro público, de forma a ser transparente, em termos financeiros, o destino do auxílio de Estado. Falta ainda saber se os privados aceitam essas condições.

Não deixa de ser intrigante o facto de o Governo, pelos vários comunicados emitidos, mas em especial do Ministro da tutela, parecer tratar a TAP como se o Estado não fosse também accionista da empresa. Como é possível que o modelo de governance da empresa não permita, à data de hoje, que o accionista Estado tenha acesso à informação financeira da empresa e possa dar instruções em benefício do interesse público, leia-se, que o dinheiro dos contribuintes não se evapore a 30 mil pés? Então, para que servem seis membros no Conselho de Administração da TAP, SGPS?

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Para complicar ainda mais a situação, a Associação Comercial do Porto (ACP) interpôs uma providência cautelar para suspender a referida injecção de fundos na TAP. Tudo isto, porque a citada associação, alinhada com as forças vivas do Norte, não encontrou no plano de retoma de rotas da TAP, o número de voos com partida e chegada ao aeroporto Francisco Sá Carneiro que considera adequadas às necessidades da população e da economia regional.

Conclusão, a administração da TAP não está, afinal, interessada em encher os seus aviões e ganhar dinheiro e tem de ser uma entidade exterior ao negócio que lhe vem desvendar os mistérios da indústria da aviação comercial. Notável a todos os títulos, especialmente porque a dita associação não tem um único euro investido na TAP. Sugerir decisões de gestão e o correspondente risco ser preocupação de outros é típico em Portugal. Assim é fácil!

Estou convencido, que neste momento várias entidades regionais e locais deste extenso Portugal estão a pensar exactamente o mesmo. Não nos podemos surpreender se um dia destes uma qualquer associação do Alentejo exija pelo menos um voo semanal do apinhado aeroporto de Beja, ida e volta, para vários destinos na Europa. Quando parece que já vimos tudo, surge sempre mais uma que nos deixa de boca aberta, enfim a criatividade surrealista sempre foi um dos nossos pontos fortes. E agora imaginem se a TAP fosse totalmente pública, as pressões regionalistas e de outros interesses obscuros, a que estaria sujeita! E o Orçamento de Estado, a acomodar essas leviandades. Nunca é de mais  reforçar o conceito de que a TAP é uma empresa, cuja existência depende da sua capacidade de criar riqueza através da prestação de serviços que sejam rentáveis.

Dos privados, pressuponho que se meteram neste negócio para ganhar dinheiro, no entanto, desconheço o real interesse do Estado português em ser accionista de uma companhia aérea, para além do pouco referido no Programa do XXI Governo Constitucional: uma ferramenta de primeira ordem para a projeção internacional de Portugal; veículo fulcral de ligação à África lusófona, ao Brasil, aos principais destinos da emigração portuguesa; e a promoção da internacionalização da economia portuguesa.

Será que estes desígnios etéreos requerem uma companhia de bandeira, paga com o dinheiro dos contribuintes? Porque será que na Europa, as mais relevantes (15) companhias de aviação são na generalidade privadas (com capitais de origem diversa), poucas têm participação do Estado e apenas a LOT (Polónia) e a Alitalia são totalmente públicas.

Os sectores mais a oeste do espectro político preconizam a nacionalização por razões ideológicas, porque sim, porque tudo deve ser público, porque é uma empresa estratégica (seja lá o que isso significa) e se for privado, os accionistas podem ter lucro e isso é uma heresia na sua doutrina. Os sectores mais moderados deambulam entre a opção totalmente pública e a parcialmente privada. No sector mais a leste, confesso que ainda não percebi qual a opção. No fundo, todos querem mandar um pouco, poder nomear alguém para o Conselho de Administração como forma de demonstração de poder, e, quem paga, já se sabe quem é.

Qualquer que seja a solução encontrada, a racionalidade económica no emprego de dinheiros públicos tem de prevalecer a quaisquer desvarios de natureza política, frequentemente enunciados em conhecidas narrativas, que pouco têm de racional e que mais não servem do que tentar justificar o injustificável. Não estamos em condições de termos um novo Novo Banco com asas.

Outra questão que se coloca é se a TAP tem ou não viabilidade económica no médio prazo. Os accionistas privados devem acreditar que sim, caso contrário não teriam investido na empresa. Os números, porém, parecem desmentir esse desiderato. No ano de 2019, o resultado líquido do período foi negativo, totalizando 95,6 milhões de euros, à semelhança do ano anterior, que se tinha cifrado em 58,1 milhões de euros negativos. A empresa tem vindo, sistematicamente, a apresentar prejuízos ao final de cada ano.

Para melhor se enquadrarem as várias opções possíveis, creio ser relevante fazer-se a distinção entre as várias dimensões em que o Estado intervém no âmbito deste processo. Estas são três: (i) o Estado accionista, ou seja, defensor intransigente dos interesses dos contribuintes e do erário público; (ii) o Estado como garante da coesão nacional e promotor do desenvolvimento económico, actuando simultaneamente como promotor e cliente de serviço público e pagando por esse serviço à companhia; (iii) o Estado social, preocupado com o emprego e a estabilidade social. A intercepção ajuizada e ponderada destas três vertentes da equação providenciará a resposta em que medida o Estado deve ou não participar no capital da TAP. Esperemos que o interesse dos contribuintes e do desenvolvimento económico do país se sobreponha ao peso da ideologia política.

Contudo algo parece inevitável e inquestionável. Sem uma reestruturação profunda da empresa, sem receio de confrontar interesses instalados, não se afigura possível alcançar o patamar da rentabilidade económica, absolutamente indispensável para manter a empresa em funcionamento. Seria de uma leviandade imperdoável, o Estado reforçar os capitais da empresa, mesmo que seja na forma de fiança sobre o empréstimo, sem obter a garantia de que será levado a cabo, no mais curto espaço de tempo, um plano de negócios de médio prazo, da responsabilidade dos accionistas privados em parceria com especialistas do sector a contratar pelo Estado.

As linhas de acção possíveis que o Governo dispõe para resolver de vez o dossier TAP são: não injectar fundos, fechar a empresa e declarar falência; adquirir a participação dos accionistas privados, mantendo os 5% do capital na posse dos trabalhadores da TAP (uma forma de nacionalização parcial); adquirir mais acções da empresa aos accionistas privados, de forma a garantir a maioria do capital (tomando assim o controlo accionista da empresa e da gestão); vender o capital que detém actualmente a privados (tenho sérias dúvidas que haja interessados), deixando um pacote residual de acções, e, por último, manter a situação actual (não é opção aceitável).

A TAP e a sua actual situação, (recordo que os prejuízos vêm de antes da pandemia, apenas se agudizaram) é o exemplo típico da forma como se resolvem os problemas difíceis em Portugal. Não se resolvem, varrem-se para debaixo do tapete, na vã esperança de que o tempo, o dinheiro dos contribuintes ou a próxima legislatura se ocupem deles. Receio, porém, que a TAP, desejada por alguns mas criticada por muitos, tenha atingido uma situação financeira em que não se pode por mais tempo protelar uma decisão quanto à sua continuidade na esfera do Estado e em que termos. Os portugueses agradecem e os contribuintes ainda mais.