A «Espiral do Silêncio» (1984) é, provavelmente, o melhor livro escrito sobre sondagens políticas. Nele, a especialista alemã Elisabeth Noelle-Neumann explicou uma vez por todas que, mesmo quando nada há a criticar ao trabalho das empresas de sondagens, há sempre desvios maiores ou menores às previsões eleitorais. Deve-se isso, conforme as circunstâncias, ao facto de os eleitores mudarem de opinião e, em muitos casos, absterem-se de responder, refugiando-se numa «espiral do silêncio» ou mesmo dando respostas falsas para alinhar pelo que julgam ser a opinião dominante a fim de preservar a sua «pele social».

A primeira volta das presidenciais brasileiras de ontem é um caso tanto mais eloquente da «espiral do silêncio» quanto o falhanço das previsões foi enorme e arrisca-se a contribuir para mudar a face da presidência brasileira ao apanhar em contra-pé a presidenta Dilma Roussef indigitada há quatro anos pelo líder do PT, Lula. Tudo corria como previsto até ao acidente de avião em que morreu, em Agosto, o candidato do pequeno Partido Socialista Brasileiro, Eduardo Campos, antigo ministro do PT, governador do estado de Pernambuco e membro da dinastia de Miguel Arraes, antigo governador também ele, exilado no tempo da ditadura militar e grande eminência social de Pernambuco.

Campos tinha então apenas 10% de intenções de voto e a sua candidatura destinava-se basicamente a renegociar a aliança do PSB com o PT. É nessa altura que surge Marina Silva, sua candidata a vice-presidente, também ela antiga ministra do governo Lula, mas do qual se afastara em conflito com a política ambiental predatória do PT, na sequência aliás dos anteriores governos brasileiros, que ignoram soberanamente o valor patrimonial da Amazónia para o mundo inteiro. Marina já havia causado surpresa como candidata dos Verdes na eleição presidencial de 2010 ao obter cerca de 20% dos votos.

É o ressurgimento dela que faz sentir a uma parte substancial do eleitorado a possibilidade de introduzir uma forte nota de contestação ao monopólio da política presidencial detido pelo PT e o PSDB, que está representado nesta eleição por Aécio Neves, governador de Minas Gerais, o segundo maior estado brasileiro, e neto do primeiro presidente após a ditadura, Tancredo Neves, por seu turno antigo governador do mesmo estado e ministro de Getúlio Vargas na década de 1950.

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Marina, em contrapartida, não pertence a nenhuma dinastia partidária e fez uma improvável carreira política à custa de um duro percurso de militante que lhe vale a simpatia e mesmo a admiração de muitos cidadãos. E foi assim que, em meia dúzia de dias, ela triplicou o apoio dado ao seu falecido chefe de lista, beneficiando sem dúvida da memória das recentes revoltas contra o poder instalado do PT e deixando Aécio 20 pontos atrás. Porém, a «espiral do silêncio» funcionou não uma mas duas vezes, sempre sem as empresas de sondagem se aperceberem das causas da amplitude na subida e depois na descida de Marina. Primeiro, são milhões os eleitores que aderem a um movimento de protesto misturado de esperança; depois, quando vem ao de cima que a candidata surpresa não tem programa nem equipa, nem tão pouco bases de governação futura, para ser presidenta, o refluxo fez-se todo contra a candidata do PT e, automaticamente, a favor de Aécio.

É bom não esquecer que, ao contrário do que sucederia em Portugal, onde os movimentos de protesto acabam por desaparecer na abstenção maciça, no Brasil o voto é obrigatório. Assim, o refluxo da breve esperança desencadeada por Marina Silva acabou por se refugiar em Aécio Neves como única alternativa à actual presidenta. Aécio tornou-se deste modo o candidato de uma clara maioria de adversários do PT. Resta saber se ele terá algo de substancial a oferecer ao eleitorado de Marina nas três semanas que faltam para a segunda volta. Nada menos certo, apesar do apoio que ela já disse que lhe dá.

Provavelmente, a transferência de votos a favor de Aécio far-se-á nos estados mais desenvolvidos do sul e estendendo-se Minas, mas não atingirá o Nordeste, com a possível excepção de parte do eleitorado de Pernambuco, onde Marina ficou em primeiro lugar com os votos herdados de Eduardo Campos e acrescentados por ela. Caso viesse a ganhar, Aécio Neves teria então de tricotar uma imensa troca de favores com os inúmeros senadores e deputados em que se dividem os partidos brasileiros. Basta dizer que o PT dominou o Brasil dos últimos 12 anos sem ter mais de 20% dos congressistas; as maiorias de governo foram arranjadas da maneira que se sabe.

Acresce o facto de, até hoje, o vencedor da primeira volta nunca ter perdido à segunda, nomeadamente em 2010 quando a transferência de Marina para o candidato do PSDB, José Serra, foi apenas de 50%, mas também é verdade que nunca o PT desagradou tanto a tanta gente desde que está no poder… Teremos oportunidade de voltar muito em breve ao porquê desse desagrado, ou seja, às políticas nacionais e internacionais do PT.