Há palavras horríveis. E há maneiras de torturar palavras comuns até que se tornem horríveis, pelo excesso de uso, pela apropriação de uma seita, pela aproximação a uma língua de pau, ou pela distorção oportunista, como sucedeu à  “sustentabilidade”. Hoje, tudo o que essa palavra consegue é provocar no cidadão temente a Deus o gesto instintivo de deitar a mão à carteira para se proteger. Como é que chegámos aqui?

Vamos, como de costume, usar a vidinha política quotidiana do município de Lisboa para tentar perceber. A Assembleia Municipal aprovou uma proposta da Câmara que permite a um concessionário privado construir um parque de estacionamento, em Alvalade, ao lado do Mercado, muito perto do quartel dos bombeiros. Onde faz imensa falta: moradores e comerciantes suplicavam para aquela zona uma resposta de estacionamento. A extrema-esquerda opôs-se, alegando que o parque de estacionamento ia contra a “sustentabilidade”. E explicaram-se: em vez de facilitar a vida a estas pessoas, a Câmara devia levantar obstáculos ao uso de carros particulares, para forçar os relapsos a andar de bicicleta e tirar os carros de dentro da cidade.

Mas afinal, o que é verdadeiramente a “sustentabilidade”?, como se aplica à mobilidade em Lisboa?, porque havemos de repudiar o argumento da esquerda?

Da “sustentabilidade”, palavra gasta em tratos de polé, ainda assim sobra um significado. A “sustentabilidade” é uma disciplina. Fundamentalmente, procura responder às nossas necessidades de tal maneira que as gerações futuras não fiquem impedidas de responder às necessidades delas. Para isso, a “sustentabilidade” estabelece uma série de critérios assentes em três princípios como bases indispensáveis: o princípio social ou humano, o princípio económico, e o princípio ambiental. Estes princípios seguram a “sustentabilidade” como um tripé.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O princípio humano diz que é preciso responder a uma determinada necessidade, ou conjunto de necessidades, com o máximo grau de conforto e bem estar – para o indivíduo, os cidadãos, as famílias, o bairro, seja qual for o universo aplicável. O princípio económico diz que essa resposta tem de ser barata, tão mais barata quanto possível. E o princípio ambiental também tem uma formulação própria. Ele reconhece a limitação dos recursos naturais e a velocidade a que são produzidos. E diz que não se deve retirar à natureza quaisquer recursos a uma velocidade superior àquela que a própria natureza demora para voltar a produzi-los.

Como se vê, o princípio ambiental não é uma fantasia genérica, elástica, e abstracta sobre “o clima”. Nem sobre bonitas amizades com “o planeta”. Tudo isso é demagogia e retórica, sem substância mas com objectivos políticos muito bem identificados. A manobra da extrema-esquerda consiste em reduzir a “sustentabilidade” a uma única dimensão; apaga duas bases fundamentais, a base humana e a base económica, e limita tudo a um princípio ambiental convenientemente deturpado.

No caso da mobilidade urbana dentro da cidade de Lisboa, a extrema-esquerda corrompe o conceito de “sustentabilidade” logo no primeiro princípio. Se as pessoas forem impedidas de usar o carro delas, por falta de estacionamento deliberado, a Câmara estará a levantar obstáculos, como pedem os eleitos do fanatismo, em vez de responder a uma necessidade, como exige a disciplina que eles alegam. Estranho? Nem por isso. A extrema-esquerda nunca se preocupou com o bem-estar de ninguém, nem dos seus próprios intérpretes, que ao longo da história assassinou descomplexadamente. À esquerda interessa uma ideia abstracta e brutal de sociedade, cujos contornos vão mudando com o tempo e com o déspota. E para a extrema-esquerda a “sustentabilidade” não é uma maneira racional e sistematizada de resolver os nossos problemas. É uma arma. Uma arma consciente e de ocasião. De modo que a extrema-esquerda instrumentaliza a “sustentabilidade” mentindo: deixa de ser uma disciplina para se transformar numa palavra de ordem contra os carros particulares. Esta “sustentabilidade” adulterada serve a agenda “climática”, uma das principais frentes de luta da extrema-esquerda contra o capitalismo.