Desde o passado dia 5 de novembro que, tanto as redações dos jornais como os líderes europeus, perderam o sono. O Ocidente assistiu, em alvoroço, ao regresso de Donald Trump à Casa Branca. Já no seu primeiro mandato, em 2016, Trump foi um Presidente disruptivo na sua postura com a Europa. Seja pelo seu discurso pouco empático, seja pela exigência de maior esforço no financiamento da NATO (sob pena de os americanos deixarem de honrar os seus compromissos).

Estas posições de Trump, embora mal recebidas pelos europeus, refletem uma verdade inconveniente: a Europa descurou o seu papel no mundo, na Defesa e na performance económica. Estas tensões servem (ou deviam servir) como lembrete de que a Europa não deve depender dos Estados Unidos. A sobrevivência da Europa é da responsabilidade dos europeus. Trump é presidente dos EUA, não da União Europeia. A sua prioridade são os interesses americanos. Cabe à Europa assumir uma posição estratégica de parceira e não de dependente. É nosso dever recuperar o papel central que historicamente ocupámos.

Assim, da mesma forma que fomos nós que criámos o problema de dependência, só a nós nos cabe a solução. A resposta ao arrefecimento de relações com os EUA passa por uma União mais robusta e eficaz. Deve haver maior capacidade de decisão conjunta e, simultaneamente, maior representatividade política dos cidadãos. Isto passa por haver uma visão partilhada quanto aos princípios e por uma estratégia coordenada quanto à Defesa, política externa, investimento e Mercado Único (como recomendado no Relatório Draghi).

Churchill foi premonitório quando referiu que “devemos criar uma espécie de Estados Unidos da Europa” (apesar de nunca termos conseguido ter o mesmo modelo — a Europa é resultado da História; os EUA são resultado da filosofia). As respostas que se exigem já pecam pela demora. Há um claro enfraquecimento da nossa posição no mundo, o que leva a um fraco poder de negociação. Por exemplo: em 2008, o PIB dos EUA era de $14,4T, face a $16,3T da UE. Hoje, o PIB americano é de $27,36T face a $18,35T dos europeus. Mas o problema vai além da Defesa e da competitividade económica. Há uma crise identitária. Há pouco espírito de pertença à Europa, e as divisões no projeto europeu são manifestas. A ascensão dos partidos eurocépticos é a maior prova disso.

Há, também, uma crise de figuras políticas agregadoras e de poder de decisão. Apesar de o projeto europeu ser a junção de várias culturas, a UE está enfraquecida por não ter uma só voz. Na década de 80, Ronald Reagan dialogava com Thatcher. Durante o mandato de Obama, era Merkel a nossa interlocutora. Hoje, a Europa divide-se em várias vozes, por vezes até com opiniões distintas. Somos um comboio de 27 carruagens com velocidades diferentes. E tão importante como ter um líder, é este ser eleito diretamente pelas pessoas que representa. Grande parte dos europeus percebe mal o modelo político da europa (daí a elevada abstenção nas eleições europeias- 62,5%, em Portugal, nas últimas eleições).

Hoje, e especialmente pelo contexto de guerra, precisamos de líderes que sejam legitimados a tomarem decisões pela comunidade e a promoverem reformas estruturais. A Europa precisa de se repensar politicamente, e o poder de decisão deve passar pelas pessoas. Só há verdadeira mudança, se for impulsionada pela vontade popular. A UE teve capacidade para evoluir em áreas burocráticas, como no campo regulatório, e em políticas monetárias do BCE. No entanto, o verdadeiro desafio está na reforma do modelo político. Os povos precisam de sentir que pertencem à Europa e precisam de sentir que o projeto europeu lhes pertence. Como disse Charles de Gaulle, “a política é uma questão demasiado séria para ser deixada aos políticos”.

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