Al Smith (1873-1944) foi um político e governador de Nova Iorque, filho de mãe americana de origem irlandesa e de pai italo-americano, um dos primeiros católicos com uma carreira política significativa nos Estados Unidos, pelo Partido Democrata.

Na História da América, os católicos começaram por ser uma ínfima minoria; só a partir da segunda metade do século XIX, com as migrações para o Novo Mundo, primeiro de irlandeses e alemães e, para o fim do século, de italianos e polacos, aumentaram de cerca de milhão e meio, antes da guerra civil, para doze milhões no princípio do século XX.

Por muitos anos o voto dos católicos foi maioritariamente no Partido Democrata. Os católicos tiveram, de resto, um papel relevante na coligação do New Deal que apoiou Franklin Roosevelt quando James Farley, o primeiro católico em funções governamentais, se tornou o Post Master General. Al Smith, governador de Nova Iorque, é desse tempo; o tempo da Lei Seca, aprovada logo a seguir à Grande Guerra, sob o nome de Prohibition. Ao ilegalizar um hábito enraizado, o consumo de álcool, a Prohibition, teve como efeito perverso o desenvolvimento do crime organizado. Al Smith era contra a Lei Seca e pela igualdade racial. Em 1932 concorreu contra F. D. Roosevelt à nomeação democrática, mas perdeu. Depois apoiou Roosevelt na campanha, mas foi crítico do New Deal.

A partir daí, embora mantendo algumas actividades políticas, Smith dedicou-se sobretudo aos negócios imobiliários, nomeadamente à sociedade construtora e proprietária do Empire State Building. Morreu em 1944.

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É este Al Smith o patrono da Alfred E. Smith Memorial Foundation, uma instituição de beneficência de Nova Iorque, muito activa no apoio a crianças pobres. E desde 1960 é da praxe os candidatos presidenciais – democratas e republicanos – marcarem presença no jantar de gala da instituição católica. É um acontecimento social, de smoking, a que vai “toda a gente”, ou seja, a elite da cidade – os ricos, os políticos, os ex-políticos, as celebridades.

Um ritual americano

John Kennedy e Richard Nixon estiveram no jantar em 1960, bem como quase todos os outros candidatos presidenciais em ano de eleições; Jimmy Carter e Ronald Reagan estiveram lá em 1980, George H. Bush e Michael Dukakis em 1988, Al Gore e George W. Bush em 2000, Barak Obama e John McCain em 2008, Hillary Clinton e Donald Trump em 2016, Trump e Biden em 2020.

É um ritual, uma espécie de trégua sagrada, em que as piadas e provocações de parte a parte fazem parte da tradição.

Este ano, Kamala Harris resolveu não comparecer e mandar uma mensagem filmada – dizem que a conselho da sua directora de campanha, Julie Chavez, para acautelar os votos LGBT.

A provocação que escolheu foi intercalar a sua mensagem solene com uma rábula protagonizada pela própria e por uma actriz cuja personagem mais conhecida, Mary Catherine, é uma caricatural aluna de colégio católico que junta o uniforme com mini-saia à Lolita ao ar freirático, o cérebro desprovido de neurónios à fé fervorosa, e o feminismo gesticulante de cheer leader à falta de graça. Enfim, uma católica fervorosa, mas uma indefectível apoiante de Kamala e uma frenética feminista. É ver para crer.

Ao dar-se conta das possíveis repercussões da sua ausência, Kamala terá ficado incomodada a ponto de ter maltratado a sua directora de campanha.

Donald Trump esteve lá, perante uma assembleia dividida, dizia ele, entre os que o adoravam e o odiavam, quase todos seus velhos parceiros da elite liberal de Nova Iorque. Falou cerca de 25 minutos no seu registo de entertainer, bombardeando presentes e ausentes com graças quase sempre excessivas e corrosivas, mas a arrancarem muitas gargalhadas. A tradição, dizia Trump, pedia-lhe uns momentos de humor auto-depreciativo, mas talvez fosse melhor não se pôr ali a disparar sobre si próprio quando já outros o faziam.

Quanto à ausência de Harris, lembrava que, em 1984, Walter Mondale, o candidato democrata que também faltara ao jantar, fora castigado “from above”, perdendo nos 49 Estados da União e proporcionando a Ronald Reagan uma gigantesca maioria; pedia também aos presentes para não se sentirem demasiadamente insultados pela ausência de Kamala Harris: afinal se os Democratas quisessem mesmo brindá-los com uma ausência que se visse, teriam mandado Joe Biden – “if Democrats really wanted someone not being with us this eavening they would have sent Joe Biden”.

A evolução política dos católicos

Até aos anos 60 do século XX, manteve-se a tendência do voto católico nos Democratas. Kennedy beneficiou disso. Depois houve mudanças profundas, quer nos programas e nas posições dos partidos, quer no comportamento eleitoral dos católicos. É preciso lembrar que, com os protestantes divididos em várias igrejas, os católicos são hoje a primeira confissão religiosa na América.

Embora os protestantes Evangélicos continuem a ser um “núcleo duro” dos Republicanos, a verdade é que a posição dos Democratas em matérias da vida e da sua defesa tem contado muito para a mudança de muitos eleitores católicos para o campo republicano.

Em 2020, a percepção de Joe Biden como um democrata “middle of the road”, católico e com raízes na classe trabalhadora foi importante em alguns swing states para vencer Donald Trump. Mas as posições de compromisso que Biden – e Nancy Pelosi, outra católica – com o abortismo militante e o wokismo levaram muitos bispos a pronunciarem-se sobre a incompatibilidade com a fé católica de semelhantes transigências; e em Abril deste ano, ainda com Biden como candidato a um segundo mandato, um inquérito da Pew Research dava 55% do voto católico para Trump e 43% para Biden.

No entanto, se em relação a Joe Biden ainda chegou a haver dúvidas, em relação a Kamala Harris e ao seu segundo, Tim Walz, só restam certezas, ainda que os candidatos democratas tenham vindo a procurar fazer passar o seu radical progressismo pelo buraco da agulha – com Kamala Harris a confessar-se uma “capitalista pragmática” e uma detentora de armas de longa data e a decalcar os programas de nacionalismo económico e de reindustrialização dos Republicanos. Já quanto ao aborto, a orwelliana designação de “liberdade reprodutiva” com que agora foi rebaptizado tem ajudado na cruzada. Cruzada em que Kamala se mantém de pedra e cal, secundada pelo seu igualmente motivado segundo, outro americano de classe média, bem-disposto e disposto a fantasiar pela causa sobre o seu serviço na Guarda Nacional e as suas aventuras na China em Tianamen.

Bem sabemos que o anti-trumpismo, que entre nós atingiu casos extremos de verdadeira obsessão e recusa de contraditório, pode e poderá explicar e influenciar muita coisa; mas a eleição para Presidente dos Estados Unidos é nos Estados Unidos, e não aqui, e vai-se decidir por poucos votos e em poucos Estados.

As sondagens são mais que muitas e servem várias teorias, mas, de um modo geral, Harris mantinha-se à frente na votação geral popular e Trump com uma ligeira vantagem nos Swing States. Entretanto, ontem, sexta-feira 25 de Outubro, uma sondagem do New York Times/Sienna College dava-os, pela primeira vez, empatados no voto nacional. Quanto ao voto católico nos Swing States parece ir maioritariamente para Trump e para o seu segundo, Vance, um católico convertido, e pode ser decisivo em Estados como o Wisconsin e o Michigan. De qualquer forma, enquanto a divisão entre os católicos é de 52% para Trump e 47% para Harris, entre os protestantes é de 61% para Trump e 37% para Harris.

Como notou a propósito o Santo Padre a escolha para os cristãos e para os católicos nas eleições americanas é entre dois males, ou entre dois candidatos anti-vida: “seja aquele que expulsa os migrantes, seja aquela que mata crianças”.

Entre estes dois males, não tenho dúvidas de qual é o pior e o mais camaleónico. Mas há quem tenha.