Não sei o que foi mais comovente, se a queda do pior primeiro-ministro do regime fundado a 25 de Novembro de 1975, se o coro de papagaios que se lhe seguiu, a tentar “explicar” a queda mediante as tradicionais “cabalas”. O dr. Costa saiu tarde, finalmente enxovalhado após oito anos de enxovalhos a que submeteu os portugueses. Os papagaios entraram cedo: passado o desnorte inicial causado pela trágica demissão, já todos haviam recebido instruções sobre o que dizer nas “redes sociais”, nos jornais, nas rádios e nas televisões. Como muitos crânios não fazem um cérebro, e os avençados devem partilhar o grupo de Whatsapp, todos disseram o mesmo. Em resumo, disseram que o Ministério Público (MP) perpetrou um golpe de Estado para prejudicar um estadista sem rival na História Universal dos Estadistas, pelo menos desde que o “eng.” Sócrates caiu em desgraça e na Ericeira.

Vale a pena atentar nos detalhes da estratégia. A propaganda do PS consiste em isolar pormenores insignificantes do processo de modo a ridicularizá-los e, de caminho, ridicularizar o processo inteiro. Os papagaios começaram pelo “parágrafo”, incluído no comunicado à imprensa da PGR e que admitia o envolvimento do dr. Costa nas trafulhices da eventual “start up” em Sines. Depois saltaram para o haxixe encontrado em casa do ministro, e ex-blogger, Galamba. Por fim, sempre cumprindo ordens, desataram a rir de triviais facturas de restaurante e do carácter inofensivo de pedacinhos seleccionados das escutas.

O caso parece irrelevante? Parece. Principalmente se, à semelhança da propaganda, esquecermos convenientemente o resto, os inúmeros trambiques entretanto já divulgados para, além de outras minudências, influenciar ao mais alto nível (ou baixíssimo, se formos rigorosos) uma negociata de milhares de milhões perpetrada por uma empresa com o currículo de uma comissão de festas – “Como no Freeport”, afirmou num telefonema o ex-blogger. Perante um edifício em cinzas, os papagaios agarram num “passe-partout” pouco chamuscado para “demonstrar” que não há indícios de incêndio. É preciso uma espectacular dose de crendice para acreditar nos papagaios e na propaganda do PS.

O problema é que crendice não falta. O PS governou-nos, e governou-se, quase ininterruptamente durante três décadas. Uma vez por década, a “gestão” (desculpem) socialista rebenta num festival de incompetência, estatismo, mediocridade, corrupção, prepotência, nepotismo, alucinação, bancarrota e, claro, pobreza geral. De cada vez, cede momentaneamente o poder à “direita” para esta lidar com os destroços e assumir o odioso. De cada vez, o PS regressa ao poder num ápice, mediante vitórias eleitorais ou artimanhas parlamentares com os extremistas que calhar. De cada vez, reinicia-se o ciclo de incompetência, estatismo, mediocridade, corrupção, prepotência, nepotismo, alucinação, bancarrota e, claro, pobreza geral. E não se aprende nada.

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Talvez seja útil acrescentar que, pelo meio, os portugueses votam. Votam com a atitude do sujeito que dá marteladas na cabeça por acreditar que a próxima vai fazer-lhe bem, mas votam. Com curiosa frequência, portentosa amnésia e desmesurado optimismo, votam no PS o bastante para o PS continuar a existir. E, geralmente, a mandar. O dr. Costa caiu agora. Num lugar menos exótico, Costa teria caído há anos, logo que se acumularam os sinais do inevitável desastre. Corrijo: num sítio civilizado Costa nunca teria chegado a governar. E Sócrates, provavelmente, também não. O pântano que Guterres legou, e no qual nos afundamos sem parança, seria suficiente para, à primeira oportunidade, o país reduzir o PS aos escombros a que o PS costuma reduzir o país. Não o fez à primeira oportunidade, não o fez à segunda e sabe Deus se, a curto ou médio prazo, não o fará à terceira.

A hipótese do curto prazo não é desprezível. A acreditar nas sondagens, e na experiência, o PS prepara-se para discutir as eleições de Março, na sequência de um governo que desabou sob o peso de falcatruas e, presume-se, liderado por um sujeito com cabeça de adolescente e apetência por brincar com aviões, com o dinheiro alheio e com forças apoiantes do Hamas. Não consigo explicar tão radical absurdo. Por sorte, a propaganda do PS explica tudo, e espalha recorrentemente a ideia de que os sucessivos carrascos são pobres vítimas de conspirações infames. E o bom povo, ou a parte que chega para decidir sufrágios, engole com sofreguidão a porcaria que lhe servem.

Tenho um sonho. Sonho com o dia em que a vasta maioria dos cidadãos descubra uma evidência: a de que um partido que em larga medida ocupa e domina o Estado dificilmente é alvo de maquinações e injustiças. Salvo por uma avaria, depressa consertada, chamada António José Seguro, a desonestidade e a inépcia não são boatos, e sim a natureza deste PS, reinventado em 1995 pelo actual porta-voz do ministério da Saúde de Gaza. Não há aqui azares, coincidências ou perseguições. Há factos. E, para esconder os factos, há o embuste, a vocação primordial dos socialistas. Ainda que tosca, a coisa funciona.

Na quinta-feira, à saída do Conselho de Estado, o dr. Costa afirmou que “O país não merecia ser chamado novamente a eleições”. Pois não. Sobretudo se não as aproveitar, como não vai aproveitar, para enterrar em definitivo o PS.