Na quinta-feira, o dr. Pedro Nuno começou uma resposta aos jornalistas da seguinte maneira: “É óbvio que, enquanto primeiro-ministro e enquanto cidadão me preocupa que pessoas estejam detidas durante 21 dias. Sobre isso não haja a mínima dúvida. Aquilo que acho que não devo fazer enquanto primeiro-ministro é estar a fazer comentários sobre casos judiciais em concreto.”

Assim fica difícil, difícil para os comentadores e difícil para o PS. É tradição os socialistas apresentarem candidatos medíocres, maus, péssimos ou miseráveis. Porém, esta é a primeira vez que apresentam um candidato residente numa dimensão paralela, impermeável aos critérios habitualmente utilizados no nosso planeta. Há políticos à frente do seu tempo e há, com maior frequência, políticos atrás do seu tempo. O dr. Pedro Nuno situa-se ao lado do seu tempo, num cantinho recatado em que ninguém penetra sem auxílio de psicotrópicos.

Começo a suspeitar de que a frase do ano – “Diga lá o que é que não funciona!” – não foi um pobre exercício de retórica, e sim genuína estupefacção e sincero interesse. O dr. Pedro Nuno queria ser informado sobre o que não funciona em Portugal porque de facto não sabe. Não sabe o que se passa na saúde, na educação e na justiça. Não sabe o valor do salário mínimo. Não sabe as tarifas da CP. E quando finge saber alguma coisa o dr. Pedro Nuno diz coisas destas: “Os portugueses preferem esperar no SNS do que ser atendidos no privado”, uns dias depois de admitir ser cliente de hospitais privados. O reino do dr. Pedro Nuno não é deste mundo.

Para os comentadores, e falo principalmente dos 98,4% de comentadores televisivos que, neutrais ou representantes de diversas áreas políticas, obedecem sempre às directivas do PS, a vida não corre bem. Com que cara de pau se declara o dr. Pedro Nuno vencedor de debates a que, salvo pelo corpo presente, o dr. Pedro Nuno não comparece? A cada confronto, a cabeça dele encontra-se a enorme distância do adversário, dos temas em discussão, do estúdio enfim. O homem parece realmente atordoado, confundido pelas burocracias necessárias para chegar a um cargo que já considera seu: o dr. Pedro Nuno decretou-se primeiro-ministro e os protocolos intermediários não lhe dizem respeito. Em 1859, Joshua Norton, um comerciante falido de São Francisco, também se proclamou imperador dos EUA e protector do México. Viveu duas décadas nessa ilusão, que por comiseração os conterrâneos alimentaram. Não sei se os portugueses serão tão generosos. E sei que o PS não o é.

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O PS, ou uma parte do PS, entrou em pânico. Refiro-me aos socialistas que escolheram o dr. Pedro Nuno para os chefiar e, uma redundância na perspectiva deles, chefiar o país (a parte do PS que sobra contempla, talvez sorridente, o desastre em curso). É plausível que, após as consagrações de portentos como Guterres, Sócrates e Costa, o PS se convencesse de que a desmesurada influência do partido no Estado e a desmesurada dependência da sociedade face ao partido bastaria para eleger qualquer um, incluindo um piaçaba. Por azar, o piaçaba não se mostrou disponível e emergiu o dr. Pedro Nuno, que nem com gola alta se compara. E a campanha é o que se vê, um acidente que avança a atropelar sondagens: a “dinâmica de vitória” da AD coincide afinal com a dinâmica de derrota do dr. Pedro Nuno. O PS pode estar aflito, mas não se pode confessar surpreendido.

Os avisos alusivos ao, digamos, estilo do dr. Pedro Nuno eram imensos. Da ameaça aos banqueiros alemães à localização espontânea do aeroporto de Lisboa, passando pela TAP, pela ferrovia, pelo WhatsApp e, vá lá, por tudo em que tocou, o dr. Pedro Nuno dera vastíssimas provas de, na melhor das hipóteses, ser um garoto em invólucro de meia-idade, em quem um dia o papá, a mamã ou o avô “sapateiro” detectaram encantados um talento precoce para executar tropelias em público sem sentir vergonha. Em circunstâncias normais, o PS escondia-o num lugar escuro. Nas extraordinárias circunstâncias presentes, o PS e os “media” amigos apontaram-lhe os holofotes e promoveram-no a “líder” por razões de “carisma”.

A conversa do “carisma”, matéria em que por acaso o dr. Pedro Nuno volta a perder para o piaçaba, sugere que, logo de início, a propaganda do PS não descortinou na personagem virtudes reais e susceptíveis de investimento. A existir, o carisma não se afirma: percebe-se. O que se percebe no dr. Pedro Nuno é que ninguém, sobretudo o dr. Pedro Nuno, percebe o que ele anda ali a fazer. Para cúmulo, as sumidades que lhe orientam a campanha parecem empenhados em sabotá-la, por exemplo mediante a falsificação de fotografias em que o Carismático convive com populares no interior de um Five Guys (uma cadeia de restaurantes inexistente para cá de Badajoz). Ou em forçá-lo a acusar o PSD de preparar uma aliança com o Chega e acusar o Chega de ser desprezado pelo PSD. Ou em deixá-lo falar.

Em Hollywood, a história do dr. Pedro Nuno daria uma comédia tosca: a história de um adolescente tardio que, num regime em destroços e através de uma sucessão de incidentes e decisões incompreensíveis, alcançou a possibilidade de se imaginar estadista, e de acreditar na possibilidade a ponto de a julgar consumada. A 10 de Março veremos se os espectadores se escangalham a rir. Ou se transformam o guião numa tragédia.