Faltam 7 dias para o regresso às aulas. Se bem que, amanhã, elas se iniciem, em regime não presencial, nalgumas escolas do ensino particular e cooperativo. Entretanto, dizem as previsões, teremos números de infectados por covid a bater records, todos os dias. E a deixar sobre nós a dúvida se haverá aulas presenciais no próximo dia 10 ou se iremos voltar ao ensino à distância, ficar por um regime misto ou prolongar mais as férias e alterar, de novo, o calendário escolar. E, se for assim, por quanto tempo mais, e em que ciclos de ensino, isso tenderá a acontecer. Pode-se sempre afirmar que, afinal, sempre faltam uns dias para que tudo se esclareça. E que em 7 dias tudo pode mudar. É verdade que sim. Mas poderá a forma como se planeia a educação depender de tantas interrogações como aquelas que parecem estar a existir? É verdade que, ao contrário daquilo que já se afirmou, as escolas são, também elas, espaços de contágio. E que, há poucos dias, dos 600 surtos activos em Portugal, 400 foram registados em escolas. Logo, com números assustadores de contágios não se pode abrir as escolas como se não existissem riscos. Até porque o sucesso da vacinação das crianças foi mais comedido que o dos adultos.
Entretanto, recorde-se, estamos no terceiro ano lectivo de “estudantes-covid”. Que já teve quarentenas. Confinamentos. Aulas à distância. “Férias” alargadas. E “bolhas”, onde os alunos foram acabando por estar em salas diferentes, fazer percursos diferentes na escola, ter horários de aulas diferentes e tempos e espaços de convívio diferentes. Três anos de “estudantes-covid” com crianças a conviver com desigualdades de oportunidades. Com carências de espaço de convívio e de recreio. E com períodos de isolamento. Três anos com limitações educativas claras. E três anos com aprendizagens fragilizadas por tantos constrangimentos e com rendimentos escolares inconstantes e “saltitantes”. Mas, afinal, o que está verdadeiramente em causa neste novo ano: a saúde mental das crianças, como agora se repete, ou a acumulação de lacunas que, todas juntas, comprometem a sua escolaridade, muito para além daquilo que pode parecer?
Por tudo isto, receio que, nos próximos dias, corramos o risco de conversar – intensamente – sobre aquilo que irá acontecer no dia 10 de Janeiro. Até porque estamos em tempo de pré-campanha eleitoral… Mas, enquanto isso, temo que não se discutam as medidas que, nos próximos anos, serão indispensáveis para minimizar as consequências que a pandemia trouxe às crianças e à escola. Que não se discuta a forma de contornar o impacto que o rendimento das famílias tem na frequência da creche e do pré- escolar, fazendo com que cerca de 8 em cada 10 crianças pobres que não têm acesso a creche passem a tê-lo. Ou o modo como, ainda hoje, entre os 4 e os 7 anos, as crianças mais pobres sejam as que menos frequentam o pré-escolar. E que não se encontrem respostas para tornear que o impacto mais gravoso que a pandemia trouxe às crianças que dispõem de contextos socioeconómicos mais desfavorecidos, ou que têm menos condições nas suas habitações, pais com menores níveis de escolaridade ou dispõem de menos acesso à alimentação e à saúde. E receio que as desigualdades verificadas no acesso aos recursos educativos não seja, entretanto, um factor que mereça ser discutido quando se trata de avaliar a forma como elas terão contribuído para o aumento de desigualdades educativas e para o comprometimento do sucesso das aprendizagens, durante o ensino remoto de emergência, nomeadamente quando se trata de verificar as consequências da pandemia nos alunos do primeiro ciclo do ensino básico. E que não se fale das incidências sobre os “estudantes-covid” de tantos constrangimentos juntos que virão, inevitavelmente, a comprometer as suas aprendizagens, levando a que, no médio prazo, as dificuldades de aprendizagem, o insucesso educativo e o abandono escolar possam aumentar.
O que é estranho é que não se fale mais de “estudantes-covid”. Do modo como os nossos filhos terão tido o azar de ter três anos lectivos que, apesar de todas as aprendizagens que eles lhes terão trazido, enviesaram muitos dos recursos que a escola coloca ao seu dispor. A impressão que dá é que as consequências da pandemia para a escola não terão merecido um debate amplo e alargado de especialistas, de pais e de professores, e uma estratégia de compromisso de todos os partidos, no sentido de preparar a escola não tanto para aquilo que vai acontecer em redor do dia 10 de Janeiro mas para os 4 ou 5 anos que se irão seguir ao fim da pandemia. Com tudo o que isso trará à escola, às respostas que ela vai ter de mobilizar e às sequelas de tanta turbulência sobre todos os estudantes. Sobretudo sobre aqueles que, agora, estão a frequentar o pré-escolar e o primeiro ciclo do ensino básico. Independentemente do regresso às aulas ser, ou não, no dia 10 de Janeiro.