A nossa civilização está alicerçada no reconhecimento da igual dignidade de todas as pessoas humanas e na prioridade do outro, principalmente dos pobres, dos doentes, dos presos, dos viúvos, dos órfãos, dos velhos, dos sós e dos forasteiros.
E como seria de esperar esse duplo alicerce reflete-se na maneira de nos exprimirmos que durante milhares de anos os pais ensinaram aos filhos: ao falar de nós e dos outros devemos sempre colocar o eu em último lugar.
É portanto incompreensível quando as nossas pessoas públicas optam por colocar o eu à frente ao falarem delas e dos outros.
E ainda mais quando as empresas de legendagem em língua portuguesa colocam sempre o eu à frente nas legendas mesmo quando os personagens colocam o eu em último lugar.
Políticos, actores, jornalistas e celebridades deviam ter presente que a linguagem ajuda a conformar a consciência e portanto que o uso repetido da fórmula tradicional ajuda a moderar o nosso egoísmo natural.
Trata-se com efeito de cuidar duma característica essencial da visão do mundo que caracteriza a nossa sociedade e que por isso moldou as nossas leis e instituições políticas e sociais.
A prioridade ao outro sobretudo se for carente é que subjaz ao estado social tanto mais que o que é natural é que ao longo das nossas vidas todos nós venhamos a encontrar-nos em situações de carência.
Contribuir para uma outra visão do mundo, menos moral, encoraja as gerações subsequentes a desprezar a abnegação, a entrega de si mesmo, o sacrifício e o serviço e por consequência prejudica a coesão social.
Pelo contrário, dar a primazia ao outro na maneira de falar contribui para estimular a atenção que devemos dar aos que nos rodeiam na família, no bairro, na escola, na empresa e no clube e portanto para compreendermos desde cedo o significado e a precedência do bem comum.
23 de maio de 2022