1 A AD devia ter sido reativada para as autárquicas de setembro 2021 a fim de aproveitar a embalagem da alternância na RA dos Açores no final de 2020 e da reeleição triunfal do PR pela direita social poucos meses depois.

Por outro lado, é claro que a coligação anunciada esta semana não estará apta a reivindicar a plena herança ideológica da AD enquanto não cooptar o partido fundado por Gonçalo Ribeiro Teles que é depositário do acervo das suas políticas ecológicas não só pioneiras como perfeitamente atuais.

Isto dito, a reativação da AD e a consequente assunção do respetivo passado pode ter um impacto decisivo nos resultados das legislativas de março próximo porque, ao responder na mesma moeda à coligação de esquerda que o novo SG do PS preconiza abertamente, pode provocar a alternância.

Com efeito, ao não integrar nenhum outro partido para além daqueles que historicamente lhe pertencem, a AD pode apelar diretamente aos eleitores que passaram a abster-se ou a votar em partidos novos quando o PPD e o PP deixaram de defender o que os caracterizava, isto é, o liberalismo patriótico em economia  e o respeito pela autonomia das famílias, dos municípios e da nação e do seu território e recursos.

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Para isso, no entanto, é essencial que o programa que será proposto ao eleitorado da direita social seja ousado, seguindo o exemplo do que o atual líder da democracia-cristã alemã acaba de propor para aprovação pelo congresso que terá lugar em maio, tendo em vista as próxima legislativas naquele país em 2025.

2 A inversão do inverno demográfico a que Portugal tem estado submetido é a maior prioridade nacional no longo prazo mas as medidas que ela requer devem começar a ser tomadas já e, por isso, o programa da AD deve defender à cabeça a divisão da matéria coletável do IRS por todos os membros do agregado familiar em pé de igualdade, titulares do rendimento e respetivos dependentes, não só filhos como avós, já que estes são tão importantes para a formação daqueles.

Contudo, enquanto medidas como esta não derem frutos é claro que vamos continuar a precisar de imigrantes, de preferência oriundos na sua esmagadora maioria, como até aqui, dos outros EM da CPLP, ao abrigo do acordo de mobilidade em boa-hora celebrado pelo governo atual, um dos seus principais legados positivos.

A fim de dar tempo à respetiva absorção pela sociedade, o programa da AD deve, no entanto, incluir a adopção dum sistema de quotas anuais negociadas em sede de concertação social, aprovadas  pelo parlamento e administradas pela nossa rede consular a qual, para o efeito, deve ser substancialmente reforçada mediante o aumento do número dos postos nos países de origem, e o aumento do recrutamento de diplomatas de carreira para os dirigir.

3 Em matéria de luta contra a corrupção, a AD deve ter a coragem de defender prontamente e sem ambiguidades a dedicação exclusiva dos deputados, a regulamentação da representação de interesses e a criminalização do enriquecimento ilícito.

E, na matéria relacionada da reforma do sistema judicial, a AD deve propor, seguindo o exemplo de Timor-Leste, a eliminação da fase de instrução do processo penal e a autonomia orçamental das magistraturas — esta em contrapartida da externalização de pelo menos metade dos membros dos respetivos conselhos superiores.

4 É cada vez maior o número de famílias portuguesas que, no exercício do direito à liberdade de escolha, dão preferência aos hospitais privados e às escolas privadas sendo por conseguinte um dever do estado criar condições para que o usufruto dessa prerrogativa não seja um privilégio dos mais ricos.

A conversão faseada da ADSE num sistema universal devia ser preconizada pela AD como solução testada para proporcionar a todos uma efetiva liberdade de escolha entre prestadores de serviços de saúde em troca duma contribuição obrigatória de 3 por cento dos salários, que para isso devem sofrer um aumento extraordinário.

Para recuperar a trajetória de aumento do desempenho do sistema escolar neste século, que desde 2016 foi invertida, a AD deve começar por defender a liberdade de escolha entre escolas públicas, em contrapartida da autonomia orçamental e curricular dos respetivos dirigentes, a reposição dos exames nacionais de fim de ciclo e a restauração dos contratos de associação plurianuais com escolas privadas supletivas.

Ainda em prol do respeito pela autonomia das famílias, a AD deve propor a realização até ao fim da próxima legislatura de dois referendos, um sobre a eutanásia e outro sobre a obrigatoriedade do ensino a menores da chamada auto-determinação de género.

5 Em prol do respeito pela autonomia municipal, a AD deve defender a realização dum referendo sobre a criação de regiões e, se o veredicto for uma vez mais não as criar, deve defender a extinção das comissões de coordenação regional e a transferência para os distritos das atribuições dos serviços periféricos dos ministérios sectoriais, incluindo as que erradamente já foram ou estão estão a ser descentralizadas para os municípios, com grave prejuízo da sua histórica independência em relação à administração central.

E ainda em matéria de respeito pela autonomia de instituições locais antigas mas extremamente resilientes, a AD deve defender a revitalização das 388 misericórdias que subsistem, distribuindo as receitas do jogo por todas elas equitativamente e nelas delegando a gestão das despesas do estado com prestações sociais sujeitas a condição de recursos, com lares e com berçários e infantários.

6 Quanto à desejável reforma fiscal, o programa da AD deve naturalmente prever a redução progressiva até ao fim da próxima legislatura, sempre sem prejuízo do equilíbrio orçamental duramente conseguido desde 2016, a redução do número de escalões do IRS e a redução das taxas do IRC e do IVA para uma taxa única e igual e sem quaisquer isenções, cujas centenas de regimes devem ser extintos a fim de acabar com a indústria do planeamento fiscal.

Essa reforma deve ter presente que o imposto sobre o rendimento é a pedra angular da relação do eleitor com o estado e portanto a AD deve defender um aumento extraordinário do salário mínimo para acabar com a isenção dos que o auferem, que não são menos cidadãos por isso.

7 Também ajudaria muito os cidadãos a escrutinar os eleitos se deixasse de haver financiamento de despesas do estado que não passa pelo OGE, de tal forma que o aumento da dívida pública em cada ano, ao abrigo da respetiva autorização parlamentar, fosse sempre integralmente visível ao eleitor médio, mesmo o que não tem uma licenciatura em Finanças Públicas.

Em matéria de relações dos cidadãos com a administração pública, é também crucial a aprovação duma lei João Ferreira do Amaral, que proíba qualquer serviço público, nacional, regional ou autárquico, de pedir a um utente um documento emitido por outro serviço público.

8 Agora que o próprio PS teve a coragem de quebrar o incompreensível silencio do Bloco Central sobre a real sustentabilidade a longo prazo da Segurança Social, a AD deve ir mais longe e defender não só a introdução progressiva dum segundo pilar nas contribuições obrigatórias para a reforma, de capitalização individual, como a redução das injustíssimas pensões mais altas pagas exclusivamente por repartição.

Tal como, a bem da transparência, deve defender a correção da convenção segundo a qual são os empregadores que pagam 23,75 por cento do salário dos empregados e estes que pagam os 11 por cento remanescentes, como se as empresas não somassem a totalidade dos 34,75 por cento aos outros custos do trabalho e, portanto, como se o salário bruto não incluísse a totalidade das contribuições — conforme ilustrado pelo tratamento dado às contribuições dos trabalhadores independentes.

E já agora, uma vez que, salvo os docentes universitários de Economia Política, ninguém toma decisões sobre preços dum bem ou dum serviço descontando previamente o montante da inflação, mas antes com base nos respetivos montantes nominais, a AD devia preconizar a proibição do seu uso na comunicação do estado com os cidadãos.

9 As reservas ecológica e agrícola nacionais, desgraçadamente reduzidas desde então por sucessivas leis iníquas, foram criadas pelos primeiros governos da AD num tempo em que a UE ainda não tinha alargado a sua ação à proteção da biodiversidade e dos solos contra o uso indiscriminado de químicos venenosos.

A AD deve pois comprometer-se a restaurar a integridade de ambas e, para que não voltem a ser ameaçadas, institucionalizá-las dotando cada uma delas duma administração própria na tutela direta do parlamento e com autonomia para cobrarem taxas aos que nelas operam e delas usufruem, dentro dos respetivos perímetros e à volta deles, e para recorrerem diretamente ao financiamento europeu sempre que necessário.

Trata-se com efeito de proteger e consolidar um património vivo precioso que ao longo de séculos moldou o nosso território, pela mão dos nossos antepassados, através do desenvolvimento de espécies e de culturas autóctones, animais e vegetais, adaptadas às nossas condições naturais mas cujo equilíbrio é facilmente destruído pela ganância do lucro fácil e rápido a pretexto de sonoras boas intenções.

10 Em matéria de transição climática, a AD tem que ter consciência que é impossível descarbonizar os transportes até 2035 sem investimento na energia nuclear, indo aliás ao encontro do consenso internacional alcançado na COP-29 e das recomendações que a CE fez em 2021 e entraram em vigor recentemente, sendo já 15 os EM que decidiram tomar esse caminho, aos quais se associará a Alemanha se a democracia-cristã ganhar as legislativas em 2025, como se prevê.

Uma central de um único reactor de III geração com uma potência de 1,4 GWe, um investimento em torno de 10 mil milhões de euros distribuído quando muito por dez anos, entre 2025 e 2035, consumiria cerca de 270 toneladas de urânio natural por ano, quantidade que as nossas reservas conhecidas, em jazidas espalhadas de norte a sul, todas mineráveis subterraneamente, podem fornecer durante 25 anos, e que é mais que suficiente para justificar o respetivo enriquecimento em Portugal, contribuindo assim também para reforçar substancialmente a nossa autonomia estratégica num sector crítico.

11 A autonomia estratégica do nosso país em sectores críticos, ou seja, a retenção duma posição nacional dominante no mercado, incluindo pelo estado sempre que os empresários portugueses só por si não tenham condições para a assegurar, pode ser alcançada através duma empresa integralmente pública, à semelhança da CGD no sector bancário ou da TAP e da CP no sector dos transportes.

A AD deve no entanto manter em aberto a possibilidade de, quando essa posição dominante num sector crítico não requerer a manutenção  duma empresa integralmente pública, seguir o exemplo do governo espanhol ao comprar esta semana 10 por cento do maior operador de telecomunicações para, em conjunto com duas participações nacionais privadas pre-existentes, assegurar que 20 por cento do capital da empresa é mantido em mãos espanholas, à semelhança do que sempre foi o cenário noutros EM da UE como a Alemanha, a França e a Itália.

12 O turismo juntou-se aos setores críticos ao atingir um quinto do PIB, devendo portanto a sua graduação ser um objectivo central das políticas públicas e da intervenção do estado como regulador das boas práticas, como agente principal da comunicação estratégica ao mercado da narrativa sobre Portugal enquanto destino privilegiado de turistas independentes, e como responsável pela reabilitação urgente dos mil quilómetros de vias férreas abandonadas no interior, justamente ao longo da nossa raia, polvilhada de pequenas cidades medievais despovoadas, repletas de património construído a cair não obstante o seu elevadíssimo valor cultural.

Linhas, obras de arte, estações e material circulante bem como as  deslumbrantes paisagens por elas atravessadas, sedes de antigos municípios muralhados e solares espalhados pelas suas redondezas têm que ser alvo dum grande esforço de resgate, assessorado pelos melhores consultores europeus, tendo em vista captar os segmentos mais altos, autónomos e cultos da procura turística mundial para os quais é atraente descobrir as origens dos nossos vinhos e azeites de luxo, e da cortiça com que são feitas as rolhas das respetivas garrafas, da alta escola equestre portuguesa, e do nosso cavalo barroco, das pegas dos jovens forcados, e do touro bravo que reina no montado há milhares de anos.

13 Em suma, caso não consiga recuperar a plenitude da sua matriz ideológica fundacional, liberalismo patriótico em economia e respeito pela autonomia das famílias, dos municípios e da nação e respetivos território e recursos, e não adopte um programa de reformas que o demonstre, mas ao invés aposte uma vez mais em medidas avulsas de suborno de diversos grupos sociais com promessas infantilizantes de aumento de prestações sociais e de salários ou de restituições, e continue a recusar dar voz às famílias sobre as leis iníquas que continuam a agredi-las, a direita social que passou a abster-se ou a votar em partidos novos desde 2019 voltará a fazê-lo e a AD não merecerá ganhar as eleições.